Formado por presos, grupo de teatro se apresenta para mediadores do Bairro-Escola
por Carine Caitano
São quase 10 horas e o clima é de agitação. A sala, com quase 150 mediadores, espera ansiosa o início do espetáculo. Os não-atores, igualmente ansiosos, aguardam a chegada de um dos integrantes. O palco é a Escola Municipal Monteiro Lobato, no centro de Nova Iguaçu. E é la que acontece a primeira apresentação extramuros de presos da Penitenciária Alfredo Tranjan, mais conhecida com Bangu 2. A plateia é composta por funcionários da Prefeitura de Nova Iguaçu que estão participando do processo de formação para as oficinas culturais do segundo semestre no Bairro-Escola.
Com um cenário pintado em lona e móveis que fingem existir, a peça se inicia. A história mostra a volta de um presidiário à favela da qual havia saído havia 14 anos, 7 meses e 20 dias. Surpreso com a chegada do asfalto e com o reencontro de amigos e parentes há muito perdidos, ele fala sobre suas experiências no presídio. Abordando temas sociais como marginalização do jovem e uso de drogas de forma leve e com toque de humor, eles contagiam o público.
O primeiro a nos cativar é o personagem principal, de apelido Semente. Ao entrar em contato com seus amigos, ele promete mudanças: "Nós vamos trazer pra cá esporte, trabalho, lazer, saúde e cultura". Seu intérprete, Wellington Alves de Freitas, foi preso por um assalto seguido de morte e ainda ficará preso por dezoito anos. Apesar do caminho longo que ainda lhe resta, ele revela que sua mente mudou desde o contato com o teatro e se apresenta porque quer preparar guerreiros. "Eu tenho dois filhos e é por eles que mudei. Essa é a coisa mais bacana que eu poderia estar fazendo, pois muda a vida de quem assiste também".
Em um momento mais cômico da apresentação, vemos Evaldo da Costa Carvalho. Seu personagem, uma fadinha sem nome, entra muda e sai calada mas passa sua mensagem com excelência. Ele, que chegou à Monteiro Lobato acompanhado da mãe, irmãos e sobrinhos, fala um pouquinho de sua jornada: "O mais importante, pra mim, é ter a minha família por perto dando esse apoio. O teatro me mudou porque transformei tempo ocioso em uma coisa positiva, pra frente. A gente vai conhecendo mais gente pra falar de coisa boa, ficando menos tímido... na hora de fazer bobagem ninguém é tímido! A gente aprende a se mostrar pro bem".
Contando e cantando Racionais MC's, grupo brasileiro de rap e hip hop alternativo cuja ideologia é divulgar a desigualdade social brasileira, Jacaré narra a história com letras sobre a favela. Mas atenção aí: não só aquela favela da troca de tiros, mas também cenário de crescimento de crianças e desenvolvimento de projetos sociais. Carregando o apelido que recebera ainda na adolescência, Jacaré conta sem medo o que passou para conseguir mudar sua visão de mundo:
"Após inúmeros castigos e rebeliões, eu tive uma luz. Quando o Jonas sugeriu fazermos teatro, eu nem sabia o que isso significava mas decidi parar de correr atras do prejuízo e começar vivendo coisas legais de verdade. Hoje sou apaixonado por isso! O teatro mudou minha vida porque aprendi a valorizar o próximo. Hoje me sinto livre de consciência. Não devo nada". Adriano Rodrigues, o Jacaré, fala também da importância de exercitarmos o lado crítico, usando letras de rap como forma de mobilidade social, por exemplo.
Jonas Alexandre Soares, citado acima, foi um dos grandes responsáveis pelas conquistas do grupo. "Eu acredito na transformação do ser humano através do pensamento", diz ele, que interpretou um velho amigo de Semente e um transexual masculino. Jonas, que também dirigiu a peça, prova que seu compromisso é falar sobre cultura, valores, educação e interrogações, fazer com que as pessoas se questionem. Em um bate-papo que rolou após a apresentação, conta um pouco da história do grupo. Formado há seis anos, iniciaram as apresentações no próprio presídio, mesmo sem o apoio necessário. Posteriormente, apresentaram-se em instituições para menores e penitenciárias femininas.
Jonas fala um pouco das raízes do projeto: "Começou em 2003 a ideia de fazer teatro, por uma iniciativa da Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro. Os estagiários começaram o trabalho, mas sem intenção de formar atores. Foi necessário criar asas para continuar. A gente não quis se limitar, não quis ficar só naquilo. Pessoas que recebem educação sistemática às vezes se envolvem com drogas, como é o meu caso. Por isso estamos pregando a mudança. Jovens se tornam usuários de drogas, depois entram pro crime... é uma coisa muito séria. Caráter não tem classe social. E o teatro nos ajudou a perceber isso. Quando acabar nossa pena, continuaremos com o compromisso de pregar a reconstrução social".
Prova viva desse compromisso é Rafael Soares que, apesar de liberado ha seis meses, da continuidade ao projeto. Ele, que aparenta ser o mais tímido do grupo, diz poucas palavras mas consegue expressar sua satisfação: "Eu amo isso aqui. O teatro mudou nossa vida. Que que mais eu posso dizer?" A pedido de uma das mediadoras, os rapazes definiram as transformações que a arte proporcionou na vida de cada um em uma palavra: paz, liberdade, harmonia, amor, esperança, trabalho. Em sua despedida, prometeram continuar o trabalho e deixaram o blog de divulgação. Para quem quiser conferir, pode entrar em http://www.criadaki.blogspot.com.br.
Interatividade:
Como a arte mudou sua vida? A exemplo dos rapazes, responda em uma palavra.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Dakadeia
FORMAÇÃO
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Realização. Assim que a arte influi na minha vida. Sem dúvidas, o trabalho realizado por esses presidiários é glorioso por ajudar na própria reabilitazão e conscientizar os demais.
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