quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Vó Laura

OLHA O II IGUACINE AÍ, GENTE

Aluno da Escola Livre de Cinema dirige documentário sobre a vida de sua avó
por Josy Antunes / fotos de Bruna Jacubovski e Josy Antunes / Design da capa e convite: Desiré Taconi

O Espaço Cultural Sylvio Monteiro receberá hoje, a partir das 18 horas, em seu teatro, a abertura da Mostra Encontros – uma das primeiras atrações previstas para a grade de programações do Iguacine, o aguardado e anunciado Segundo Festival de Cinema da Cidade de Nova Iguaçu. A citada Mostra inicial tem por objetivo exibir sessões que contenham experiências audiovisuais, além de proporcionar o encontro de seus realizadores com o público, gerando debates.

A sessão de hoje trará o tema “Mães de Nova Iguaçu”, que apresentará o filme “Mães do Hip Hop” - um curta-metragem realizado pelo Grupo Enraizados – e “Um dia de Laura”, documentário de aproximadamente 15 minutos dirigido por Miguel Nagle, ex-aluno da Escola Livre de Cinema(ELC), a grande fomentadora do audiovisual na cidade.

O filme, como sugere seu título, trata do acompanhamento de um dia da personagem – real – Laura Nagle, avó do cineasta. O pontapé inicial para a elaboração da ideia surgiu entre as quatro paredes negras de uma das salas de aula da ELC, onde, no primeiro semestre de 2008, os alunos recebiam uma aula sobre “documentário observacional”, ministrada pela professora Mariana Baltar. Na disciplina “História e estética do documentário”, também ministrada por ela, o conteúdo teórico era transmitido sempre intercalado com exemplos de filmes, exibidos simultaneamente. Como forma de incentivo e de avaliar a compreensão dos alunos, Mariana solicitava que, individualmente ou em grupos, fossem realizados trabalhos correspondentes ao que fora ensinado no dia, dando um prazo de 15 dias para sua realização, em média.

“Quando a Mariana passou esse exercício, na mesma hora eu lembrei da minha vó”, recorda Miguel, que não tardou a propor a sugestão para os amigos Luan Felipe e Douglas Gomes – ambos ingressaram na escola através dele, que já a frequentava desde 2007. Definido o plano, o trio seguiu com discussões para o desenvolvimento do material. “A gente conversou muito, assistiu a muitos filmes. Eu acho importante essas referências”, explica o diretor, que retirou desses estudos a principal referência para o projeto: o documentário “Santiago”, de João Moreira Salles.

Muito empolgados com as sugestões e decisões que gradativamente iam sendo levantadas, a equipe acabou deixando a execução do vídeo para a última hora, como podia ser previsto. O exercício deveria ser apresentado numa terça-feira. No domingo que precedia o prazo de entrega, os rapazes se indagaram: “E aí? Vamos entregar o trabalho da Mariana ou não?” E foi então que, sem mais delongas, o grupo começou a fazer valer os 13 dias de pesquisa e conversas, que podem ser considerados como a pré-produção.

“A gente tinha como proposta filmar um dia dela e escolhemos como linguagem usar uma câmera VHS”, explica Nagle, justificando que a escolha foi feita com o propósito de aproximação com o ritmo dos idosos, devido à textura diferenciada. “A gente poderia até ter usado uma digital”, exemplifica Douglas, 21 anos. “Mas não sei se seria a mesma coisa. Talvez não mostraria o que a gente queria passar”, justifica ele.

Foi então combinado o encontro para o dia seguinte. Já com a câmera emprestada, o encontro aconteceria logo de manhã, na única locação que seria utilizada: a casa dos Nagle, localizada no centro de Nova Iguaçu. Quanto às fitas necessárias ao equipamento? Miguel recorreu ao arquivo da família, de onde – sem dó – retirou uma filmagem de um passeio no Beto Carrero World. “Minha mãe não sabe até hoje”, confidencia. Os custos para as filmagens se resumem a uma extensão, que foi comprada para o funcionamento da câmera, ligando-a na rede elétrica.

Ao contrário do que se pode imaginar, a câmera não esteve ligada durante todo o dia. Foram captados momentos específicos que geraram um material bruto de quase três horas. “Eu não falei assim: 'vó, amanhã nós vamos fazer um documentário com você'. Ela acordou, levantou e tinha uma câmera no quarto”, diverte-se Miguel, lembrando a proeza realizada.

Tendo como premissa a naturalidade dos acontecimentos, não se formou um ambiente de set de filmagens. Em muitos planos, o diretor simplesmente posicionava a câmera, acionava o comando “rec” e se retirava, voltando somente minutos depois. A estratégia fazia com que até a presença da câmera fosse mais delicada – apesar do tamanho do equipamento usado. “Tem horas que a gente se pergunta se ela estava ou não vendo a câmera”, cita Miguel. Essa dúvida foi agravada pela ausência de visão em um dos olhos de Dona Laura.

Durante a filmagem tudo era tranquilamente permitido, sem medo de dogmas impostos por técnicas cinematográficas. Valia desde broncas da avó sobre a câmera ligada, passando pela mãe de Miguel perguntando se ele estaria gravando um “reality show” da família, até o próprio diretor caminhando despreocupado na frente da câmera. Enquanto isso, Luan e Douglas se mantinham, na maior parte do tempo, no quarto de Miguel. Lá, tudo era minimamente anotado, com inclusão de horários em que os planos foram feitos para se obter uma base maior no processo de edição, e também o monitoramento que havia sido planejado em relação à cronometragem de ações.

As gravações, que se iniciaram às oito da manhã, tiveram seu término depois da meia noite. Um dia inteiro foi dedicado exclusivamente à realização daquele ideal – do qual não se esperavam as conquistas alcançadas hoje. “O filme poderia sair muito ruim ou muito bom”, assegura Miguel sobre o risco que corriam, que não foi suficiente para desanimá-los.

Com as imagens já captadas, estava iniciada a pós-produção que, certamente, originaria novos debates. Cerca de duas madrugadas foram dedicadas à edição do filme, que contou com a ajuda do “petróleo”. “A gente precisava colocar mais pó de café do que água”, brinca Miguel, a respeito da bebida preparada para derrubar o sono. “Duas horas podem parecer pouco, mas, para um documentário de quinze minutos, é muita coisa”, exclama Douglas, que atuou como assistente de direção. Juntamente com Luan, o rapaz – chamado carinhosamente de “Comprido” por Laura, devido ao fato de mais de 1,9 m de altura – ouvia comentários bem-humorados da senhora. “Esses garotos chatos não vão sair daqui, não?”, conta o jovem, literalmente um dos maiores cineastas do Brasil.

Após concluir sua formação em Produção de Audiovisual, na Escola Técnica Estadual Adolfo Bloch, pertencente à FAETEC, onde se formou após 3 anos de estudos, Douglas se viu dividido entre a carreira militar e o cinema. “Tem tudo a ver uma coisa com a outra. Deve ser por isso que eu chego no set e falo: sentido”, ironiza ele, divertindo-se. Para a família, ele trocou o certo pelo duvidoso. Ele ainda não se arrependeu da decisão tomada.

Já Luan, também formado na FAETEC, porém, no curso de Administração, não fugiu muito de sua área inicialmente preferencial, pois ele atua – não só em “Um dia de Laura”, mas também em outras produções da Belê Filmes, fundada por Miguel – como produtor executivo, lidando prioritariamente com questões logísticas.

Hoje, aos 19 anos, Luan cursa Administração na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Mantém trancada sua vaga na PUC (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), onde tem garantida sua bolsa integral para o curso de Comunicação Social - Cinema, para o qual já faz suas economias. “Estou trabalhando no Ministério da Fazenda e já junto dinheiro para bancar a passagem da PUC”, segreda o jovem produtor, que atribui seu encaminhamento para o cinema ao livro “O Cinema e a produção”, emprestado por Miguel. “Levei para casa e gostei tanto que o li em dois dias”. De autoria de Chris Rodrigues, é importante destacar que o livro contém mais de 250 páginas.

“Eu não abro mão de trabalhar com eles dois”, enfatiza Nagle, que mantém projetos com os meninos para realizações de produções evangélicas – público que, apesar da grande expansão no Brasil, não possui muitas alternativas específicas no audiovisual. Além disso, já está em discussão de produção o documentário “Cultuados”, que será fruto de uma recente contemplação de um edital da Prefeitura de Nova Iguaçu.

“Um dia de Laura”, após finalizado, obteve uma recepção maior do que a esperada, arrancando elogios de Henry Grazinolli e Rodrigo Fonseca, roteirista e crítico de cinema do jornal O Globo, respetivamente – ambos admirados pelos alunos da ELC. Quanto à textura desejada por Miguel, ao escolher filmar com a câmera VHS, o resultado também foi surpreendente. “Tem gente que já perguntou se usamos película”, conta.

Somente esse ano, tendo passado meses “engavetado”, que os realizadores decidiram divulgar o filme e inscrevê-lo em festivais. Nessa retomada, o filme recebeu a pós-produção de Bruna Sanches, estudante de Produção Cultural; Bruna Jacubovski, que realizou as fotografias em still e de Desiré Taconi, responsável pelo design da capa do filme. O documentário traz ainda a Belê Filmes como produtora, da qual todos eles fazem parte. “O pessoal fala que fica impressionado com a sinceridade dele”, afirma o diretor, acrescentando seu ponto de vista: “Por mais que eu esteja aprendendo técnica, e que a galera também esteja, estou numa eterna busca para fazer um filme parecido com esse”, relata ele, que já carrega uma bagagem de mais de 20 curtas e no final do ano irá filmar em película. Desde fevereiro do presente ano, ele estuda na AIC – Academia Internacional de Cinema de São Paulo – onde recebeu uma bolsa através da ONG Reperiferia.

Sobre a particularidade encontrada em “Um dia de Laura”, que só poderá ser conferida por quem comparecer à sessão, Miguel alega: “Nos filmes que a gente faz, gostamos de acrescentar alguma coisa para o espectador”, finaliza.

Interatividade:
Se você fosse fazer um filme observacional sobre sua família, que personagem escolheria?

Um comentário:

  1. Eu conheço esse direto o Miguel Nagle, tive a oportunidade de trabalhar com ele no Tela Brasil e no AIC, participei tambem da maravilhosa equipe do Belê Filmes... pô, tipo, o que eu posso dizer deste trabalho... chocante... já havia assistido antes, alem destes o Miguel tem muitos outros trabalhos muito bons que valem a pena assistir...
    Parabéns Miguel... torço por você

    (Adriano Torres - cineastra - SP)

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