Parteiras de Pankararu discute papel das parteiras nas aldeias indígenas
por Camilla Medeiros e Jéssica Oliveira
No filme “Parteiras de Pankararu”, a diretora Maria Borba traz à pauta algumas questões que há algum tempo se fazem necessárias ao se pensar o papel da mulher na atual sociedade de culto a ciência. Nesse contexto se insere o trabalho de resgate do papel das parteiras realizado por Heloísa Lessa.
Ter o filho com auxílio de uma parteira, em alguns lugares no Brasil, não é apenas opção e sim a única alternativa. Porém, essa única alternativa é a melhor e, como o nome já diz: a mais natural. Estatisticamente falando, o Brasil está entre os maiores realizadores das cirurgias de cesariana, e a taxa de mortalidade é maior em regiões ‘urbanas’, ou seja, o grande risco está nas cirurgias.
Em nome de uma ‘modernidade’ o ato de parir se torna cada vez mais desumanizado. Marcam-se a data do parto como se marca hora no cabeleireiro, e como Chaplin previa em seu filme “Tempos Modernos”, o ‘trabalho’ de parto tornou-se tão mecânico quanto qualquer outro trabalho.
Num momento em que as relações entre pessoas, incluindo a relação médico-paciente, se tornam cada vez mais destituída de vínculos, foi emocionante perceber o carinho que as parteiras dedicam na hora de auxiliar uma mãe nesse momento. Numa época em que as mulheres já conseguiram sua autonomia e relativa igualdade de direitos em relação ao sexo oposto, é quase incrível perceber que ainda somos reprimidas em poder sentir o prazer de parir. Já no século XXI o corpo da mulher ainda não está totalmente livre, o discurso científico submete à cirurgias, mulheres aptas a parir naturalmente.
No fim do filme houve um pequeno debate com Heloísa Lessa e com Maria Borba, havendo muita emoção quando Heloísa descreveu a sensação de dar a luz à um filho naturalmente, dando um ponto final na ideia dolorosa de se optar por um parto natural, que é, sem dúvida nenhuma, mais significativa. Ter filhos naturalmente já é uma opção para muitas mulheres que estavam na plateia.
Curso natural
"Nós chegamos lá na aldeia e perguntamos às mulheres:' quem aqui é parteira?' Todas levantaram a mão. Em seguida, perguntei: 'quem está exercendo essa função?' Apenas uma sinalizou". O relato de Heloisa Lessa é assustador. Como uma tradição como esta pode estar se perdendo dessa forma? Contudo, o que importa não é levantar um número estatístico de quantas parteiras estão paradas devido à idade, mas sim quantas estão ajudando a trazer vidas novas à Terra.
A ideia do curso era resgatar, além do prazer de se dar à luz de forma natural, o vínculo de amizade e carinho com uma pessoa que 'está de mãos dadas' à mãe na hora do parto, que a visita, que se preocupa, que a ajuda nos afazeres domésticos e que olha em seus olhos com compreensão e respeito: a parteira; amiga e profissional. "Às vezes, a mãe chega no consutório médico e ele já quer, de cara, marcar o dia da cesária. A gestante chega cheia de dúvidas e tudo o que ele faz é dizer 'é normal'", conta Heloísa, referindo-se à insegurança que muitas vezes, mesmo que involuntariamente, o médico passa à gestante.
Ela explica: "Se a mulher chega reclamando dos muitos enjoos que a gravidez traz, ele apenas diz que é normal, mas não explica que é o corpo dela se adaptando à nova vida que se gera, sendo um sinal de que tudo vai bem". Segundo Heloisa, que é enfermeira-obstetra e parteira, é importante que os profissionais de saúde envolvidos deem toda a informação necessária para que a mulher construa em sua mente que seu corpo é capaz de se ajustar ao parto natural. "Se ela começa a gravidez achando que não vai suportar a dor, já era. Ela tem que acreditar no poder da natureza".
E foi por estes e outros motivos que o curso de parteiras na aldeia índigena de Pankararu se iniciou. Como as mulheres daquela região estavam incumbidas de dar continuidade a essa tradição, nada melhor do que uma profissional da saúde para auxiliá-las. Contudo, Heloisa, Maria Borba, e a norte-americana Marylou Carr afirmam que nada que foi dito no decorrer do curso era desconhecido para aquelas mulheres; elas apenas conheciam por outros nomes. E ainda afirmam que as parteiras entrevistadas tinham total consciência de que nem em todos os momentos, elas podiam ajudar, recorrendo raras vezes ao hospital, se detectada alguma coisa anormal.
Sessão interativa
Além da bela história do filme, a plateia que era composta quase que exclusivamente por mulheres - salvo apenas por alguns homens que também aprovaram a obra- pôde se integrar de forma mais profunda no média-metragem hamazônico.
Houve muitas perguntas, já que o filme dispertou a curiosidade de todos. Dentre elas, vale ressaltar uma muito curiosa:"Onde o risco de infecção e de doenças é maior: em caso, com o parto normal, ou no hospital, com a cesária?" A resposta surpreendeu. O menor índice de infecção é no ambiente doméstico, já que no hospital, o bebê e a mãe entram em contato com bactérias de outras pessoas e de objetos. Com o contato com as bactérias da mãe em casa, o bebê já inicia o ciclo de produçaõ de anticorpos necessários.
Ao contrário do que muitas mulheres pensam, a cesária não é exemplo da 'tecnologia a serviço da mulher', mas sim uma saída quando a mulher não pode ter seu bebê naturalmente. Vale repetir mais uma vez o que foi dito inumeras vezes no debate: a natureza é perfeita e a mulher está apta a parir. O mais importante é a mulher não ter medo, seguir seu instinto e sentir o momento com prazer. Lá na Amazônia, as mulheres estão fazendo assim e elas recomendam. E você, o que vai escolher?
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