terça-feira, 11 de agosto de 2009

O tamanho da arte

TEATRO

Marias Brasilianas mostra artesanato das mulheres do Vale do Jequitinhonha e discute limite entre arte e artesanato
por Nany Rabello

Primeiro a cortina se abre, o palco se mostra. Nele, mulheres. Estáticas, parte do cenário. Depois, ouve-se a música. Músicos, atores e cantores dividem espaço no palco, que talvez seja pequeno para tantos artistas, mas que se torna gigantesco ao sustentar o peso de tamanho espetáculo. Então, as atrizes sobem ao palco, pelo meio da plateia, cantando, dançando, compondo a coreografia da peça. Marias Brasilianas, peça feita pela compania de arte TEAR, exibida em apresentação única no teatro do SESC dia 05 de agosto.

Foi preciso quase um ano de trabalho para que o espetáculo ficasse pronto. Só de pesquisa foram cerca de três meses, com visitas e entrevistas às fiandeiras, rendeiras, bordadeiras e tecelãs do Vale do Jequitinhonha, no sertão de Minas Gerais. ‘Trabalhar’ é uma palavra muito fria para retratar o que essas mulheres fazem. Elas vivem disto. Dos tecidos, dos pontos, das linhas.

E cada ator, como se fosse um ponto, retrata um pedacinho da vida delas, constrói uma colcha de retalhos com as histórias real que viram cena, aproximam a plateia destas mulheres que são mais do que artesãs, são artistas. Essa questão é levantada pelo espetáculo, no qual as mulheres em cena mostram que arte não tem limites. Arte á cultura, é palavra, cena, música e pano, por que não?

Os jovens da peça não são atores. Não só. São cantores, dançarinos, compositores, figurinistas, criadores do próprio cenário, contrarregras e atores. Isso é explicado pelo diretor de cena, Wilson Belém. “A criação não é dos diretores, do coreógrafo, de quem dá a aula pra eles, a criação é deles também, cada interprete é co-criador do trabalho, isso cria um comprometimento do grupo”. Como se não bastasse, os atores ainda fizeram oficinas de fiar, tecelagem e bordagem, para se aproximar ainda mais da vida que iriam encenar.

No palco também cria forma o som da vida de quem faz do tecido, arte. Os músicos e cantores fazem parte do elenco, são parte viva da peça. A música em cena parte do conceito da companhia, pois um grupo de dança-teatro e um grupo de música, que participavam de outro projeto educacional, se fundiram, formando o TEAR. Os músicos têm carga horária e oficinas assim como os atores. Além de tudo, a composição é feita dentro da própria companhia: uma das fundadoras do TEAR é a compositora das canções do espetáculo. No espetáculo há um cuidado para que a dança, a música e o teatro tenham o mesmo ‘peso’.

Além de um lindíssimo espetáculo teatral, Marias Brasilianas é uma aula de ética e de arte, na qual todos fazem parte dos bastidores. “Aqui ninguém trabalha para ninguém, todo mundo trabalha para todo mundo”, diz Wilson Belém. Há um ‘mutirão’ para limpar o palco depois da peça. “Não é estético, mas é ético”, diz a diretora artística, a argentina Mabel Botelli que está no Brasil há 20 anos, fazendo arte.

“Eu acredito na força das raízes. Nosso trabalho é uma forma de não deixar isso se perder”, diz Mabel Botelli. Além de ressaltar as raízes do nosso pais, a aula de ética continua quando entra em cena a discussão sobre o tamanho de cada arte. “Por que o lugar do artesão é menor em relação à arte? Qual o limite da arte?”, pergunta Wilson. E quem assiste comprova, arte não tem tamanho.
A peça chegou até Nova Iguaçu graças ao patrocino da Petrobrás Cultural. “Queremos partilhar essa obra com todos os públicos, e sabendo que as pessoas, mesmo gostando, têm dificuldade em ir até o Rio assistir peças, resolvemos trazer para os arredores, e compartilhas nossa arte com vocês”, diz a sorridente diretora Mabel. O patrocínio da Petrobrás permite que os membros da companhia continuem se formando, pois mesmo que já sejam jovens artistas, a formação cultural deve ser constante.

Juliana Coutinho, de 19 anos, é umas das atrizes da peça. Ela conta que o grupo, Cia. Ciandeira, está junto há quase seis anos e faz parte de uma ONG, a TEAR, que tem cerca de 26 anos de existência. “Falar de rendeiras é o sonho da fundadora Denise Mendonça, mas só conseguimos realizar isso com o patrocínio da Petrobrás”, diz, animada. Juliana também conta que as mulheres entrevistadas para a composição da peça serão levadas até o SESI do Rio, onde a peça estará em cartaz, para verem a homenagem ao seu trabalho.

A Cia. Ciandeira tem outro espetáculo pronto, o Rua dos Cata-ventos, interrompido em 2007 por causa da criação e apresentação do Marias Brasilianas. Um espetáculo para todas as idades, homenageando o estilo de vida de mulheres guerreiras, que fazem arte à sua maneira. Espetáculo que encanta seu público, repleto de seres invisíveis que fazem com que tudo aconteça, e de jovens talentosos que se tornam inspiração e ídolos de quem os assiste. Uma arte que abre caminhos, abre fronteiras e abre cabeças. Arte que não cansa. Espetáculo que só tem um gravíssimo defeito: ele acaba.

O site do Instituto Tear: www.institutotear.org.br/marias/index.html

Interatividade:
Indique para nós um artesão iguaçuano cujo trabalho mereça uma reportagem do Jovem Repórter.

Um comentário:

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