quinta-feira, 30 de julho de 2009

O chorão da Baixada

MINISTRO NA BAIXADA

Lino Rocca foi um dos grandes articuladores da vinda do ministro à Baixada Fluminense
por Edson Borges Vicente e Fernanda Bastos da Silva

Lino Rocca, 46 anos, possui dois terços de sua vida dedicados à cultura, especificamente ao teatro. Com trinta anos de carreira, ele conta que encenou suas primeiras peças aos 15 anos de idade e que isso lhe rendeu a busca pela formação acadêmica. Com o título de bacharel em artes cênicas, ele ingressou no mercado artístico do Rio de Janeiro, onde passou parte de sua vida profissional. Nascido em Nova Iguaçu e não negando sua origem, ele se sentiu incomodado com a desvalorização artística de sua cidade e de toda a Baixada Fluminense e resolveu, então, retornar ao seu lugar de vida. Buscar resgatar seus sonhos e lutar por seus ideais. “Chegou um momento que esse mercado não dizia mais nada pra mim. Há 17 anos, voltei os meus olhares pra Baixada e reencontrei o meu sentido de fazer o meu teatro”, afirma Lino.

Emotivo, Lino atribui o seu retorno à realização de inúmeras conquistas, entre elas o seu maior tesouro: sua filha Maria Eduarda, que fará dois anos daqui a um mês e meio. “Ela é o prêmio que a Baixada me deu definitivamente”, confessa. Comparando sua luta em prol dos movimentos culturais à sua própria vida, ele diz que tudo começou naturalmente. Antes de elaborar qualquer projeto, foi no dia-a-dia de trabalho que percebeu as necessidades dessa região por tanto tempo relegada à própria sorte e buscou desenvolver estratégias de mudança da realidade dos artistas da Baixada. “Isso tudo, na realidade, é minha própria vida. Isso não é um projeto elaborado na cabeça. É a ação da minha existência cotidiana. Foi no botar feijão com arroz dentro de casa com teatro e cultura que percebi a minha paixão pela Baixada Fluminense, por tudo que me proporcionou, inclusive minha filha”, explica.

Lino passou então a ser um dos elos entre o Ministério da Cultura e a Baixada. Ele levou a voz artística popular ao conhecimento do governo federal e buscou articulação em todas as esferas, mesmo não representando nenhuma entidade política. Ajudou a trazer o olhar das autoridades à nossa cidade e toda a região. Por isso não foi à toa que foi a segunda pessoa a ser chamada para compor a mesa, sentando à direita do ministro Juca Ferreira no debate pela mudança na Lei de Incentivo à Cultura – a Lei Rouanet - ocorrido no Tênis Clube da cidade de Mesquita neste último dia 27 de julho. Suas palavras confundiram-se com lágrimas (de felicidade) ao final de sua fala. O reconhecimento de sua importância ficou evidente nas palavras do próprio ministro “Lino é o provocador de lágrimas positivas de emoção”, disse Juca Ferreira.

Realidade da Baixada
Lino Rocca identifica e descreve o potencial da Baixada Fluminense a partir de sua formação econômica e cultural e deixa claro sua posição frente às contradições existentes. Acredita que é possível conciliar o investimento no processo sem descartar a possibilidade e a necessidade da formação de um mercado regional voltado à valorização e potencialização de projetos locais e de elevação da situação econômica dos artistas populares, muitas vezes em situações econômicas difíceis. “A Baixada acaba sendo um exemplo sintomático desse processo, pois não tem um mercado institucionalizado”, explica.

Mais do que uma simples questão de logística, ele vê nos movimentos existentes aqui um norte para as autoridades responsáveis pela política cultural. Essa é sua bandeira de lutas e foi isso que buscou trazer ao conhecimento dos representantes políticos presentes na mesa de debate, em especial ao ministro da cultura Juca Ferreira e à secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Adriana Rattes. “A Baixada pode ser um grande exemplo de um novo desenho de ação política pública porque ela pode ser um laboratório para a construção do processo e ao mesmo tempo da estruturação do mercado. E basicamente esse foi o projeto que viemos apresentar ao ministro e ao Governo do Estado, como Rede Baixada em Cena, e entendendo a cultura como desenvolvimento regional em uma ação que vai englobar fomento, circulação, qualificação profissional e formação de mercado auto-sustentável”.


Luta de classes
Com a mudança na Lei de Incentivo à Cultura, proposta pelo ministro Juca Ferreira, 80% da arrecadação serão investidos no Fundo Nacional de Cultura e 20% no mercado, invertendo a lógica atual. É no fundo, a promoção da redistribuição dos recursos de forma descentralizada, partindo dos estados e terminando nos municípios, que ficariam encarregados da aplicação. “Por isso que a gente tem também o desenho do Sistema Nacional de Cultura, que promove a criação dos conselhos municipais de cultura e a criação de cada fundo municipal por sua referida cidade”, explica Lino.

Para Lino Roca, o gestor municipal teria um papel primordial nesse processo. De sua ação responsável depende uma justa e boa distribuição dos recursos aos projetos populares organizados. “Por que a gente tem que trazer a responsabilidade ao administrador municipal. O administrador tem que fazer investimento, ele está na ponta, tanto em cobrar ações em cascata - federal e estadual - mas também fazer o seu dever de casa, promovendo ações entendendo que cultura tem a ver com desenvolvimento social e econômico”.

Militante e líder sócio-cultural, Lino Roca vê na organização e mobilização da classe artística da Baixada Fluminense algo primordial para a promoção de mudanças. Ele compreende a relação mudança x estagnação da lei como uma luta de classes, sendo que as classes populares são as que apoiam a descentralização e democratização dos recursos público-privados destinados ao subsidio de ações culturais. Isso também ficou evidente na fala do ministro da cultura Juca Ferreira. “As classes populares sempre têm um grande problema pelo seu processo de desorganização. Como a gente vive em uma sociedade que concentra todas as relações para uma determinada elite, é claro que a classe popular sempre fica prejudicada porque tem que lutar pela sua organização”.

Lino faz uma avaliação positiva do governo do presidente Lula, dada a organização social que ele afirma vivenciar. O diálogo com a sociedade é um fator destacado por ele.
“Em sete anos de governo Lula eu não tenho dúvida de como a classe popular vem se organizando e de como o próprio governo vem incentivando esse processo de organização. Isso é muito claro na ação do ministério, da interlocução que o Ministério da Cultura faz com a sociedade atualmente”, exemplifica.

Lino Rocca acredita que há uma revolução em curso. “Em sete anos mudou-se muita coisa e acredito que a gente está consolidando passos importantes como a própria modificação da lei, que é uma luta que a gente pode entender como uma luta de classes. A gente está realmente desapropriando os desapropriadores”, finaliza.


Interatividade:
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