quarta-feira, 11 de março de 2009

Tudo tem seu tempo

Para a Mãe Beata de Iemanjá, a medicina desrespeita os ciclos da natureza
Por Breno Marques

Beatriz Moreira nasceu em 20 de janeiro 1931, na beira de um rio do interior da Bahia, ao lado de uma encruzilhada. Hoje com 78 anos, essa famosa moradora de Miguel Couto é mais conhecida como Mãe Beata. Tem nada menos do que 53 irmãos, 40 dos quais oriundos de relações anteriores do, dois por parte de mãe e 11 por parte da relação do pai com a mulher que ele se casou depois que Mãe Beata ficou órfã. “Tenho muitos irmãos que não conheço”, conta a mãe-de-santo. “Os que nasceram na beira do rio.”

Mãe Beata faz parte de uma linha de parteiras iniciada pela avó, que ajudava carregando um mocó. Era dentro dessa bolsa de palha que levavam uma tesoura, barbante, óleo de amêndoa, álcool, recortes de panos velhos e uma garrafa de vidro. Cada uma dessas coisas tinha uma função no parto. "A tesoura era usada no corte de um barbante que, por sua vez, era usado pra cortar o cordão umbilical do recém-nascido", explica Mãe Beata, que hoje se dedica a cuidar dos santos do seu terreiro. "Com o óleo de amêndoa e o álcool, a gente molhava o barbante." A garrafa de vidro ajudava a “parideira” na respiração.


Apesar de passar sua infância e juventude acompanhando partos, Mãe Beata não gostava muito. “Ia para acompanhar minha avó”, conta Mãe Beata. Apesar do respeito que seus pais tinham pela atividade da avó de Mãe Beata, ela ia contra a vontade deles. E foi assim que começou a dominar os métodos para saber quando um bebê está prestes a nascer. “Minha avó chegava até a parideira e pedia para que ela ficasse em uma posição de forma que pudesse ser feito um exame de toque”, lembra. Primeiro são colocados quatro dedos na região genital da mulher, que, se estiver apertada, é um sinal de que a criança ainda não está pronta para nascer. Caso contrário, são colocados mais dois dedos. “Se continuar folgado é que a mulher está pronta.”

Rituais da sorte
Para que o bebê tivesse sorte, o parto era precedido de vários rituais. Acendia-se um incenso de alfazema, para comunicar que uma nova criança havia nascido. Também era feito uma espécie de bebida para a parideira. O marido tinha que dar três voltas ao redor da casa com chapéu de couro, no fim das quais ele o colocava na cabeça da esposa. Para que o bebê não morresse do “mau de dias”, as parteiras enterravam o cordão umbilical.


Nem todas as parteiras tinham o mesmo cuidado, como era o caso de sua tia Lucia. “Minha tia era uma boa moça, mas pra ser parteira tem de nascer com o dom”, afirma Mãe Beata. Por isso, algumas das mulheres que fizeram parto com sua tia morreram. Nenhum deles, no entanto, foi tão traumático quanto um em que ela esbarrou no álcool e terminou ateando fogo na casa da parideira. “Minha tia estava muito nervosa porque o parto era de risco.”

Mãe Beata é contra a medicina, cujas evoluções terminam desrespeitando o ciclo da natureza. “Onde já se viu marcar hora e data pra um bebê nascer?”, questiona. “Tudo tem seu tempo. Se nascer antes, o ciclo não está preparado.” A parteira ainda prefere os meios antigos de tratamento, baseados em ervas, raízes e rezas. “Acho que a força da cura está no espírito de cada um”.

Atualmente, Mãe Beata trabalha em sua casa, onde também funciona um terreiro de candomblé. Faz consultas, rituais, simpatias e acima de tudo tenta mudar a condição da mulher na sociedade. “A mulher significa amor. Na religião, é ela quem dá a paz e, em casa, dá as ordens. Acabaram os tempos de chibatadas e preconceitos. Temos que ser quem somos.” Mãe Beata também se preocupa com a juventude, que no seu entender devia liderar o mundo. “O jovem não tem maldade, só quer se divertir.”

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