por Josy Antunes
Nascido em Nova Iguaçu, Sérgio Souza de Oliveira – o Mestre Nagô – mantém um forte vínculo com a cidade, mesmo após o sucesso que a associação vem alcançando. Ele participou e acompanhou todo o processo desse crescimento, e hoje, aos 52 anos, tornou-se um exemplo, seguido e admirado por jovens, crianças e adultos.
Sua história com a capoeira se iniciou por volta dos 12 anos, quando ele foi servente na construção de um muro na frente da sua casa. O pedreiro que ele auxiliava contava histórias envolvendo a luta, como contos místicos onde homens desapareciam e casos que presenciava na Central, de um único capoeirista vencer quatros homens, por exemplo. "Antes eu nunca tinha nem ouvido falar. Então fiquei fascinado", lembra Mestre Nagô. Depois disso, um grupo de jovens começou a praticar a luta em sua rua, mas, por causa da sua pouca idade, ele foi impedido de participar. “Eu aprendi olhando”, diz ele, que, com a rejeição, passou a fazer os movimentos do lado de fora da roda. Percebendo que o pequeno Sérgio levava jeito, os capoeiristas abriram uma concessão e passaram a incluí-lo, ensinando-o pouco a pouco. "E é interessante que depois eles saíram da capoeira e eu continuei", acrescenta Nagô.
Passada a dificuldade inicial, os problemas começaram a surgir, devido {a aversão que seu pai tinha} a capoeira. Ele dizia que a luta era coisa de marginal, que só era jogada por pessoas que não tinham nenhuma perspectiva de vida. Até que, após toda a pressão enfrentada, houve um momento em que Mestre Nagô se viu obrigado a sair de casa, pois teve que optar entre a moradia ou sua paixão. “Queira ou não, ele me deu uma força de forma inconsciente. Porque no momento em que ele me impedia de fazer, ai que eu me empenhava e continuava persistindo”, explica.
Outro obstáculo enfrentado foi a questão financeira. Nagô trabalhava como metalúrgico e treinava em Botafogo, no Clube Guanabara. Além do custo da passagem – que era mais cara do que nos dias atuais – havia as altas mensalidades a serem pagas. "Se você faz uma academia aqui hoje em Nova Iguaçu que o preço é 1x, em Botafogo o preço é 3x", resume ele.
Para chegar ao clube, Nagô fazia uma verdadeira viagem, todos os dias, após o trabalho, que ficava em Nova Iguaçu. Pegava um ônibus até a Central e outro para Botafogo. As aulas eram de 20 às 22 horas, mas raramente acabavam no horário estipulado. Para não perder a ultima condução, que era às 23h30, ele tinha que se apressar. No dia seguinte era preciso estar às 7 horas de volta ao trabalho. Essa maratona diária não o desanimou, nem quando perdeu seu emprego como metalúrgico e teve de fazer biscates para manter seu treinamento. "A capoeira pra mim era como um alimento, você não pode ficar sem", afirma o Mestre.
Bolsa integral
Foi quando seu mestre – o Mestre Camisa – concedeu a ele uma bolsa integral. O que foi um ato merecido, pois ele era o único, dentre os alunos, que nunca havia faltado. "Meu mestre falava assim: 'vocês que moram ali naquele prédio não vêm treinar, se chove não vem. Nagô vem lá de Nova Iguaçu e nunca faltou'", recorda.
Essa época foi proveitosa não só para o aprendizado da capoeira, mas também para a socialização com os outros alunos, o que foi eficaz contra a sua timidez. Tendo só o antigo primário, Nagô convivia com universitários e pessoas mais esclarecidas do que ele. E recebia muito carinho por conta da sua perseverança. "Você tem que olhar a dificuldade como um degrau pra subir. Tirar proveito e lição sempre. A vida é isso!", aconselha.
Conhecido internacionalmente como Mestre Nagô, dificilmente alguém o reconhece se a procura for pelo Sérgio da capoeira. "Só conhece por Sérgio o pessoal da minha família", enfatiza o mestre. O apelido teve origem nas aulas de Botafogo, dado pelo Mestre Camisa. "Ele olhou pra mim, me viu assim escurinho e falou: 'Nagô', recorda ele, explicando que o nome se origina de uma tribo africana. Além de ser uma referência a uma grande malta que existia na época da monarquia."A capoeira é um espaço democrático, você vai ver o
cristão, o muçulmano, o judeu,
o pessoal do candomblé..."
Foi no Clube Guanabara que Nagô conheceu dois grandes amigos, Raul Gazolla e Chico Dias, que rumaram para a carreira artística. Também foi lá que recebeu o convite para o Brasil Tropical, um grupo que levava pelo mundo shows com a cultura brasileira: folclore, danças, carnaval e afins. O responsável pelo evento era irmão do Mestre Camisa, e já tinha o trabalho com o grupo há mais de dez anos. "Ele sempre buscava o pessoal de capoeira na Bahia, porque além de jogar capoeira, eles também dançam. Então uma vez ele veio aqui e resolveu modificar um pouco", conta Nagô, que, após a seleção dos novos integrantes, seguiu para o que seria a primeira de uma série de viagens.
Voo alto
O destino era Montreal, no Canadá. O ano era 1982, quando ele tinha apenas 24 anos de idade. Devido à rota dos aviões passar por cima de sua casa, Nagô, em sua infância, observava-os passando baixinho e sonhava um dia poder voar num deles. Quando passaram por cima de Nova Iguaçu, não contendo sua euforia, ele bradou, brincando com os companheiros de voo: "Olha lá Nova Iguaçu! Nós estamos passando por cima da minha cidade! Eu posso mandar o cara parar e soltar aqui, estou em casa!", lembra Nagô, acrescentando que atualmente a identificação é mais fácil, após a pintura, na cor laranja, da Igreja de Santo Antônio de Jacutinga. Ele diz ter sido essa a viagem mais marcante da sua vida, porque tudo foi novidade, desde o próprio show e o idioma, até as discotecas. Lá, ele conheceu uma salsoteca, onde predominavam as músicas latinas. Recebido de forma afetuosa, juntamente com os demais integrantes, por ser brasileiro, Nagô relembra bons momentos da experiência: "Uma vez eles fecharam a discoteca só pra nós. A gente chegava e o pessoal dizia: 'olha os brasileiros!'"
Inserido num grupo dez capoeiristas, com o total de cerca de quarenta pessoas, dentre músicos, dançarinos e carnavalescos, Nagô afirma que o Brasil Tropical formava um grupo bem unido. "Pra mim foi uma coisa boa, um garoto aqui da Baixada chegar em outro país." Logo depois de ter aterrissado em Montreal, por volta das 21 horas, ele se deparou com o sol ainda brilhando. A cena ainda se mantém viva, tamanha a surpresa que causou. "Era o horário de verão, não tinha aqui no Brasil na época."
Depois da primeira experiência no exterior, as oportunidades foram surgindo uma atrás da outra. "Porque automaticamente você começa a conhecer pessoas de show e hoje, em menor quantidade, há sempre grupos saindo do Brasil pra poder apresentar show brasileiro lá fora. Com samba, mulata, lambada...", explica. Na maioria das vezes, hospedado em hoteis de luxo, o mestre surpreendia-se com as peculiaridades e o requinte dos locais. Como o caso do hotel cinco estrelas que o grupo inaugurou no Havaí. Nele, o ar condicionado era equipado com um sistema automático de funcionamento, ligando e desligando conforme a entrada de pessoas e o fechamento das janelas. "Uma coisa de louco", garante ele.
Apesar das boas recordações, as viagens com o Brasil Tropical tiveram seus momentos de aperto. Os capoeiristas tinham que saber dançar, para ocupar o tempo no palco enquanto as dançarinas trocavam de roupa. Na pressa, Nagô já foi obrigado a dançar ritmos como o afro, a lambada e o frevo, sem ao menos um ensaio anterior. "Como nunca tinha dançado frevo, eu usei passos de capoeira. Não foi fácil", relembra. Ele conta, agora achando graça, que a música era muito longa, e não podia ser cortada, porque era o tempo exato que as dançarinas precisavam para a troca do figurino. Como estratégia, Nagô entrava no palco depois da música já avançada, dançava um pouco e corria para o público. No decorrer da brincadeira, ficava atento a música, e quando estava próxima do término, corria de volta ao palco, fazendo um deslumbrante final, com direito a abertura com o guarda-chuva. "A roupa era toda cheia de pompons, eles agarravam no guarda-chuva. Aí arrebentava e eu jogava pro público. Sei que no final do show não tinha mais pompom nenhum. Mas você não pode perder a pose", diverte-se Nagô, passado o apuro.
Capoeira alegre
Essas experimentações contribuíram para a sua desinibição e para que ele aprendesse a se comunicar melhor com o público. "Isso me obrigou a fazer essa capoeira mais arte, mais acrobática e alegre. E não a capoeira mais luta."
Além das habilidades que precisava demonstrar em palco, Mestre Nagô fazia a alegria dos integrantes do grupo ao preparar um feijão bem brasileiro, comprado em mercados africanos, como o encontrado em Palma de Maiorca, Espanha. E foi lá mesmo onde ele conheceu sua esposa, que era dançarina, com quem hoje tem duas filhas. Ela era moradora de Santa Teresa e na volta para o Brasil os dois já tinham um compromisso sério.
As apresentações eram, na maioria das vezes, na parte da tarde. Então a parte da manhã, juntamente com as folgas, eram dedicadas a conhecer os pontos turísticos. "E agora é interessante que quando nós capoeiristas sentamos pra conversar, contar sobre as viagens se tornou natural", conta o mestre.
"... eu sou mais Nova Iguaçu
do que Nova Iorque!"
Assim como muitos capoeiristas, Mestre Nagô enfrenta preconceitos por causa de sua religião. "Muitas pessoas chegam perto de mim e dizem: ué mestre, mas o senhor é cristão?", ele explica que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Que a capoeira é sua profissão e o cristianismo sua religião. "A capoeira é um espaço democrático, você vai ver o cristão, o muçulmano, o judeu, o pessoal do candomblé..." Dono de ricas experiências espirituais, Nagô acredita ter sido escolhido, não se deixando rotular por nenhuma denominação. "Eu falo que sou cristão, mas eu não sou evangélico. É um desafio você estar na igreja, sem essa ótica de julgo, de crítica", explica ele.
Atualmente, Nagô ministra aulas em cursos e workshops por todos os estados do Brasil e pelo mundo. E em todos os países onde a capoeira se faz presente, é certo que ele é reconhecido como o Mestre Nagô de Nova Iguaçu. "Todo mundo já identifica. Isso é importante para a cidade e a Baixada Fluminense", afirma ele, um apaixonado por nosso município. "Quando eu nasci, era pra eu ter nascido em Nova Iorque. Mas teve um erro de digitação e me botaram pra nascer aqui", diz em tom divertido, lembrando da brincadeira que costuma dizer para amigos. E complementa com convicção: "Mas eu sou mais Nova Iguaçu do que Nova Iorque!".
Rãs com Beija-flor
Nagô acredita nas potencialidades do povo iguaçuano, e cita o exemplo do Neguinho da Beija-flor que, na infância, corria pela ruas de seu bairro, caçando rãs pelos muitos brejos existentes. E o mestre confidencia: "Na época era Neguinho da Vala". Ele diz que, para que os moradores tenham uma expectativa de futuro, é preciso que oportunidades sejam dadas. "Senão são valores que vão se perdendo", afirma.
Não bastasse os frequentes compromissos no exterior, Mestre Nagô recebeu a oportunidade de cursar Educação Física, na Faculdade Mercúrio, na Pavuna. O incentivo partiu de um de seus alunos, que é doutorando e ocupa a cadeira de capoeira na instituição. O rapaz acaba ficando sem jeito ao ter que pedir ao mestre para gingar, por exemplo. Mas Nagô o acalma dizendo: "Você tem que me ver como aluno, aqui eu sou o aluno." Devido a sua vivência e sabedoria, ele recebe o respeito de sua turma, em sua maioria, formada por jovens. A experiência tem sido proveitosa, pela parte teórica e pela própria qualificação, porque a prática o mestre já possui. "Eu já tinha feito a faculdade na vida".
Atualmente no quarto período, Mestre Nagô conta que já foi preciso trancar o curso, devido à grande demanda de viagens. "A vida é uma correria. Tem que organizar e administrar. Dar aula de capoeira, treinar - mesmo com 52 anos, é a manutenção - viajar e conciliar também com a família", conta ele, lembrando também do curso de inglês, para o qual ganhou uma bolsa no Brasas, mas, como não tem horários disponíveis, está protelando o seu início. "Minha filha fala que eu estou mais lá fora do que aqui. Sempre quando eu posso, eu levo comigo a família", declara.
Depois de vencidas as dificuldades iniciais de recursos e da falta de apoio do pai – que reconheceu a capoeira como a profissão do filho, tornando-se até motivo de orgulho – Nagô agora observa a rua em que cresceu, onde agora funciona a Associação Abadá Capoeira, e recorda: "Um dia desses eu estava correndo aqui, eu lembro de tudo. E outro dia eu estava na Suécia, com tudo branquinho de neve. Fiquei um mês lá e passou rápido." Ele declara que, apesar de passageira, a vida é maravilhosa, devendo ser minuciosamente apreciada. E que atualmente, devido ao consumismo, as pessoas só pensam em trabalho, o que impede o crescimento pessoal. "Muitas vezes nós não temos tempo pra olhar para as nuvens, para o céu e para perceber as maravilhas. Às vezes, eu sento com a minha filha aqui na calçada e digo: 'olha pro céu, minha filha!' E tinha dois arco-íris", lembra ele, como forma de conselho.
Além de ter utilizado a capoeira como profissão, Nagô aplicou-a como filosofia de vida, o que exigiu muita perseverança e determinação. Um site está sendo produzido, contando as experiências de sua vida, de forma mais abrangente. "Eu aprendi e aprendo muito a cada dia", afirma o mestre.
Caraca muito Show essa matéria, cada linha era uma viajem, pow sinto como eu foce um amigo de infancia do nago agora, que história cara. Quando eu fazia capoeira eu me perguntava: sera q um dia eu viro mestre? mas devido as dificuldades eu sai, mas ele...ele é um exemplo, tem que gostar muito.
ResponderExcluirSimplismente AadOoOoreeeeiii sua matéria... abraçoss
Essa materia realmente e show, mas nao falara sobre o trabalho social desenvolvido pelo Mestre Nago em sua Instituiçao Espaço Cultural Abada, onde atende atualmente 160 crianças, adolescentes e jovens com varias açoes, entre elas: Projeto Ler e ter Atitude, Projeto de Capoeira, Dança e Musica. Parabens Mestre Nago sua vida nos estimula a caminhar com passos firmes e com a certeza da vitoria.
ResponderExcluirNossa antes de que ele virasse ou houvesse ganho a corda de Mestre,já o chamávamos de Mestre. Admiro-o muito...E essa matéria me fez conhece-lo ainda mais. Meu grande ídolo...
ResponderExcluirAmo de paixão!!!
Pessoas especiais são iluminadas, parabens pela reportagem desse grande homem, orgulho pra capoeira e pra Nova iguaçu - marcos gibor
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