segunda-feira, 22 de junho de 2009

Produzindo a própria vida

MIGUEL COUTO

Carlinhos de Jesus vai mostrar na quarta-feira como Reperiferia muda a vida das pessoas
por Josy Antunes

Para entender o fascínio despertado em Carlinhos de Jesus, no dia da gravação de sua matéria na Escola Livre de Cinema – que vai ao ar no RJ TV da próxima quarta-feira – só mesmo conhecendo a história de suas entrevistadas: Veruska Thaylla e Cíntia Monsores. A primeira é coordenadora das turmas de animação na ELC, que tem aulas de terça à sexta, recebendo alunos matriculados na integralidade do Bairro-Escola da Janir Clementino e Ana Maria Ramalho. E Cíntia coordena as aulas na Escola Livre de Música Eletrônica, na Cerâmica, que também atende aos alunos do Bairro-Escola das proximidades.



Quatro dias antes da visita de Carlinhos e sua equipe, Veruska recebeu uma ligação da produtora da sua coluna no RJ TV, explicando a ideia da matéria e convidando-a para ser entrevistada e colaborar na produção. Aceito o convite, a agitação, para que tudo funcionasse bem, se iniciou. “O quadro dele quase não tem edição, é muito espontâneo. Então tudo tinha que dar certo”, explica Veruska, que também já pensava em como compactar a história de sua vida, passando pela Escola Livre de Cinema e pelo Reperiferia – ong que coordena tanto a ELC e quanto a Escola Livre de Música Eletrônica.

De início, é importante saber que a moça veio de longe: Caxias. Mas não a conhecida por nós, pertencente à Baixada Fluminense. Trata-se de uma cidadezinha do interior de São Luiz, a capital de Maranhão, na região Nordeste do Brasil. Lá, cinema e artes em geral não tinham espaço. “Lá isso é coisa pra gente rica”, lembra ela. Teatro, por exemplo, Veruska não conhecia nem de ouvir falar. Suas experiências mais próximas, até então, eram nas festinhas de dia das mães, na escola, quando ela sempre ia a frente dizer recadinhos carinhosos à avó, por quem foi criada. “Eu sabia que gostava disso. Mas não sabia que isso era teatro e que podia ser uma arte.”

Ainda muito nova, Veruska se mudou para o Rio de Janeiro com sua avó, que veio na expectativa de vida nova na cidade grande e com uma proposta de trabalho, como doméstica. Foram morar então no complexo da Maré, na famosa Vila do João.

Foi numa escola, na Zona Sul – onde Veruska foi estudar, devido à falta de vagas nas escolas mais próximas – que ela descobriu a existência do teatro, apesar da forma superficial como as aulas eram dadas.

Passado um tempo, e com o aluguel pesando contra a estadia no Complexo da Maré, mudaram-se para Santa Cruz. “Eu fiquei super pra baixo. Porque por mais que na escola fosse superficial, eu fazia teatro. Aquilo ali era a minha vida”, conta Veruska, lembrando do período em que chegou à Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando não encontrou nenhuma opção de teatro e artes. Foi ai que o Reperiferia entrou na vida dela. “Meu Deus, que bom!”, foi sua exclamação ao descobrir um projeto que aulas de audiovisual, teatro e maracatu – ritmo mais tocado pela banda de Veruska. “Eu tinha um troço na cabeça, só que eu não sabia o que era”, explica ela. “E a estética do projeto era exatamente a estética de que existem pessoas na periferia que gostam de artes, mas não conhecem, não sabem o que é de fato.”

Para pagar as passagens para as aulas, que aconteciam aos sábados, Veruska passou a trabalhar como animadora de festas, ganhando 45 reais por noite. O restante do dinheiro ia para as mãos da avó, para ajudar na feira. “Acho que todo mundo já trabalhou com animação de festas um dia”, diz ao risos Cristiane Braz – diretora da ELC, que estava presente no bate-papo prévio para a gravação da matéria.

Sobrevivência
“E hoje, você vive do quê?”, é a pergunta objetiva que Carlinhos de Jesus dirige a Veruska. “Hoje eu vivo disso aqui”, responde ela de imediato, apontando com os braços as paredes ao seu redor. Além do trabalho que atualmente realiza na ELC, a jovem é produtora e tem uma companhia teatral, que recentemente foi contemplada pelo edital do Governo do Estado do Rio de Janeiro. “A companhia veio do que sobrou da Escola Livre de Teatro, em Santa Cruz. Formaram-se 15 pessoas e três decidiram continuar o trabalho”, justifica.

Cíntia Monsores tem uma história similar e, ao mesmo, “distante” da de Veruska. “A Cíntia eu enxergo como um reflexo só da Escola Livre de Cinema. Ela é daqui de Miguel Couto, é da comunidade”, explica Cristiane Braz, que acompanhou o processo de mudança que o envolvimento com a escola trouxe para a moça. Com o segundo grau recém-concluído, Cíntia não tinha nenhuma certeza quanto ao seu futuro profissional. “Eu tava meio perdida. Sempre fui muito de ir à luta. Casei muito nova e tinha que arrumar um meio de ganhar dinheiro”, conta ela.

Panfleto inesperado
Até que um panfleto inesperado – e duvidoso, aos olhos de Cíntia – surgiu com o anúncio: “Aulas de audiovisual gratuitas”. “Eu não acreditei porque era em Miguel Couto. E sendo em Miguel Couto, a gente não acredita”, confessa ela. Mesmo desconfiada, ela foi conferir. A escola, na época, não tinha a estrutura atual. Era pequenininha, instalada em frente ao atual endereço. Foi aí que o talento de Cíntia como produtora. “Comecei a perceber que todo mundo queria mexer na câmera, dirigir. E eu queria ficar por trás, queria fazer as coisas acontecerem”, afirma ela, alegando a importância do produtor. “Pra alguém gravar eu sabia que alguém tinha que ligar marcando, alguém tinha que divulgar.”

Cris Braz lembra de quando, precisando que alguém distribuísse os panfletos da ELC, perguntou a Cíntia se ela conhecia alguém que pudesse executar o trabalho, já que ela morava próximo. A moça logo respondeu: “Eu!”, para espanto de Cris, que acreditava que “uma menininha bonitinha” não faria um serviço desses. “E aí ela começou a panfletar, e a disposição dessa menina... eu logo pensei: é isso que eu quero!”.

Cíntia, que ficou sabendo da entrevista com o Carlinhos de Jesus apenas meia hora antes da gravação, hoje cursa Produção Cultural, além de estar envolvida com outros trabalhos afins. “Se Deus quiser, no ano que vem eu termino”, diz ela, orgulhosa. Isabel Ferreira de Brito, auxiliar de serviços gerais na ELC, avalia o desenvolvimento da dupla: “Antes elas eram alunas, agora estão trabalhando e cada vez subindo mais. Está sendo muito bom e muito importante pra elas e pra escola também.”


Interatividade:
Projetos sociais mudam a vida de qualquer pessoa ou apenas de quem está disposto a mudar a própria vida?

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