Fátima desistiu dos sonhos de menina e
foi à luta
Por Flávia Ferreira
O trabalho infantil é crime, mas o que dizer de crianças que se sentem obrigadas a ajudar em casa? É o caso de Fátima Ferreira, que começou a trabalhar na casa de Lourdes aos 12 anos. O trabalho não voluntário passou a ser feito para uma conhecida de sua mãe. Ela nunca soube o que é brincar de casinha ou boneca, pois suas brincadeiras eram reais. "Meus sonhos e brincadeiras de crianças terminaram quando eu vi que tinha que ajudar em casa", revelou.
Ainda criança, ela cuidava de uma casa e de cinco crianças, dentre elas um bebê. "Ter que ficar com crianças nunca foi problema para mim", relembrou ela, sentada em sua varanda, no bairro de Comendador Soares. "Mesmo sendo jovem, eu era muito responsável." Ela ficou durante dois anos nesta casa, mas a vontade de ajudar sua família era tamanha que em menos de uma semana ela já estava empregada novamente.
Dessa vez, Fátima pegou o rumo dos pães, doces, salgados, cafezinhos e cigarros. Com 14 anos, ela foi para a padaria do seu Manuel que, como ela disse, era um português chato, mandão e birrento. Segundo ela, nada que fazia estava bom e sempre era recriminada pelo portuga, mas a necessidade obrigava a continuar trabalhando. "Eu fazia tudo naquele lugar. Era atendente, caixa, lavava louça, limpava o chão" Baixinha, Fátima chegou a subir em caixas de Coca-Cola para atender melhor os clientes.
O “príncipe” da padaria
Mas não foi só uma ajuda financeira que essa padaria trouxe. No meio de tantos homens que Fátima atendia durante o dia, ela conheceu Isaías Pereira. "Ele me pediu uma cerveja e um maço de cigarros", lembra Fátima. "Só que ele não fumava." O que ele queria era dar uma cantada na baixinha, mas aquela baixinha não deu mole. "Xinguei muito e disse : 'sai fora, canhão. Você é feio, magro e cabeludo, e eu não gosto de homem assim.'"
Fátima era tão esnobe que chegou a mandar seu cachorro correr atrás de Isaías na porta de seu trabalho. "Minha mãe e meu pai me buscavam todos os dias, pois eu largava tarde e era perigoso. Eles levavam o Nero com eles e, um dia, eu o mandei correr atrás do Isaías." Apesar da resistência, Fátima já havia sido atingida pelas flechas de Cupido. Depois de muitas artimanhas e muitas jogadas de mestre, Isaías começou o namoro. "Meus pais gostavam dele, pois viam nele honestidade, sinceridade, respeito. Um homem de verdade."
Junto com o namoro veio uma promoção no trabalho. Depois de um ano, ela começou a fazer salgados com o português, coisa que ela só aprendeu por conta de sua curiosidade. "Aprendi tudo olhando aquele velho chato trabalhar a massa dos salgados." Descobriu então que pobre não tem mordomia. "Quando me dei conta, estava trabalhando mais que antes e recebendo a mesma coisa." Não reclamava porque precisava ajudar a família. Manteve-se passiva mesmo com os 'esporros' quando estragava os ingredientes, sempre acompanhados de um desconto no salário.
Fátima rodou por todas as padarias do Seu Manuel - foi de início para São João de Meriti e depois Pavuna. Voltou para Morro Agudo e com todas essas idas e vindas, ela saiu da escola. Ela parou de estudar porque nunca teve o sonho de fazer uma faculdade e ser uma profissional renomada. Sua única vontade era tornar os dias de sua família melhores. Pois, além de seus pais doentes, ela ainda tinha irmãos mais novos para sustentar. "Eu não pude sonhar com algo. Tive que ajudar em casa. De que adianta ter estudo e nada para comer?"
Sou feliz, faço tudo pelos filhos
Aos 22 anos de idade encerrou sua carreira em panificação, na lanchonete do Posto Skiavinni. "Só parei de trabalhar quando casei, porque me dediquei ao lar. Isaías achou que teria condições de me dar uma vida melhor, me proibindo de trabalhar".
Eles completaram 28 anos de casados e por mais que Fátima não trabalhe na rua, ela ainda rala muito, só que dentro de casa. Lavar, passar, cozinhar, puxar daqui, varrer ali, tirar sujeira, fazer comida, cuidar da casa é um exercício e tanto. Dedica o tempo que sobre aos dois filhos, um com 18 e o outro com 23 anos, ao netinho, com apenas 2 anos. "Quero que eles tenham o que não pude ter. Sei que muitas vezes eu posso parecer chata, mas só quero o bem de meus filhos. De certa forma, estou realizada através da felicidade deles. O olhar de gratidão e carinho é tudo para mim", completou Fátima com um sorriso.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
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