Nova safra de filmes da Escola Livre de Cinema será baseada nos contos de Câmara Cascudo
por Josy Antunes
A possibilidade de “fazer cinema” chegou mais cedo para as crianças inscritas no horário integral de duas escolas municipais de Miguel Couto: a Janir Clementino e Ana Maria Ramalho. Como um dos parceiros do programa, a Escola Livre de Cinema atende aos alunos que recebem em suas escolas aulas de reforço de português ou matemática e que optem por cultura na escolha de suas oficinas. “Eles vêm porque gostam, porque querem. Não é obrigatório e nem conta ponto. É uma experiência pra eles mesmo”, explica Veruska Thaylla, que há um ano coordena essa parceria. “Minha função é fazer essa ponte entre as escolas municipais e a escola de cinema.”
Com o surgimento de vagas, as salas de aula das escolas recebem representantes da ELC, convidando-os a ingressar no universo audiovisual. “Eles passaram lá avisando, aí eu me inscrevi e já estou no segundo ano”, conta Gustavo Faria, que aos 13 anos cursa a 7ª série na E.M. Janir Clementino. Assim que levou a novidade para casa, ele recebeu um enorme incentivo dos pais, que logo o matricularam nas aulas. “Não é em todo lugar que tem escola de cinema”, explica o menino.
Engana-se quem pensa que os alunos recebem apenas instruções sobre como filmar, por exemplo. Existe na escola uma metodologia que foge a qualquer padrão dos cursos existentes. No primeiro momento, os alunos novos sempre sentem um estranhamento e surge então a dúvida: “mas não é cinema?” “A gente tenta fazer eles compreenderem que audiovisual não é só pegar a câmera e sair filmando. Há toda uma dinâmica e forma de pensar”, observa a coordenadora da ELC.
Para falar das novas formas de transmissão de conteúdos, é necessário relembrar do ano anterior, quando foi produzida a série “Iguaçu e sua turma”. As crianças levavam para a sala de aula temas relacionados aos bairros onde residiam, como a questão da dengue. Detectados os problemas, os roteiros eram elaborados com base neles e em suas possíveis soluções. “Depois fizeram uma porção de DVD’s e deram para nós, os alunos, foi muito legal”, lembra Gustavo, criador de um dos personagens da animação.
O método da produção das animações era realizado da seguinte forma: os professores recebiam as instruções e seguiam com os alunos durante todo o período. O ano de 2009, porém, trouxe novidades, a começar pela grade de professores. “Eles davam aula nos núcleos. A gente pegou os que mais se aperfeiçoaram e conseguiram pegar melhor a linha da escola”, conta Veruska a respeito dos novos mediadores. Os “núcleos” citados funcionavam em bairros como Jardim Tropical e Austin, levando aulas de cinema à população, com sistema similar ao da ELC. O atual foco da escola são os contos de Câmara Cascudo, bastante conhecidos por terem sido recolhidos durante a vasta pesquisa do antropólogo potiguar no universo do folclore nordestino. Eles serão a base para os filmes das quatro turmas do Bairro-Escola, cada qual com uma história diferente. A semelhança com a produção do “Iguaçu e sua turma” é que serão trabalhados a vivência e o cotidiano das crianças, dentro da rua, bairro e cidade. “Eles sempre trazem coisas bem legais”, afirma a coordenadora.
Capacitação
A cada semana um novo sistema é utilizado pelos mediadores. São dois à frente das turmas de terça e quinta-feira e dois para as turmas de quarta e sexta. Todos eles se reúnem aos sábados com a direção da ELC e o Secretário de Cultura e Turismo Marcus Vinícius Faustini - que, antes de assumir a secretaria, era o diretor da escola – para uma reunião de capacitação. “Todo mundo que está envolvido com o Bairro-Escola aqui na ELC participa, pra entrarmos num consenso”, explica Veruska. A metodologia da semana é decidida no encontro, mas os professores têm liberdade de levar ideias que façam chegar ao mesmo objetivo: transmitir o conteúdo estipulado. “É sempre assim: uma semana de técnica e uma semana de prática”, ela declara, acrescentando que também é uma forma de detectar os problemas e dificuldades presentes em sala de aula. “A gente tem que experimentar várias coisas pra ver o que dá certo e o que não dá”, alega Veruska.
A diversidade de técnicas está presente durante os encontros da criançada. “Usamos massinha, desenhamos, animamos os desenhos, mexemos na câmera”, conta Jonathan, de 10 anos, defendendo sua preferência: “Mas o que eu mais gosto é mexer na câmera!” Os alunos demonstram facilidade em lidar com as novas tecnologias. Já usam – e muito bem – as câmeras filmadoras da escola, fotografam e fazem animações utilizando a técnica “stop motion” e, surpreendendo a muitos, usam o programa After Effects no desenvolvimento de seus vídeos, o que é complicado para muita “gente grande”. “A gente estava receoso de iniciá-los logo mexendo nesse programa, que não é fácil. Mas eles pegaram bem rápido as técnicas, conseguiram entender e se relacionam muito bem”, assegura Leandro de Souza, que, junto com Marina Rosa, dá aula nas turmas de terça e quinta-feira. A familiaridade que as crianças já têm com o computador é apontada como um das principais razões para tanta facilidade.
Os resultados positivos desses aprendizados são claros. “A diferença do aluno que faz ELC é que são sempre mais articulados”, afirma Veruska, com base no desempenho das crianças nas escolas de origem, onde se tornam bem mais capazes de expressar criatividade. Um exemplo disso é Thales Felipe, 13 anos, dois dos quais frequentando as aulas de cinema. “Estou me empenhando pra ser um artista profissional em desenho”, garante.
Em casa, os pais recebem toda semana notícias de algo novo realizado no interior do prédio vermelho da ELC. Curiosos, eles têm visitado com frequência a escola, em busca de explicações para a euforia dos filhos e pedindo, inclusive, para participar das aulas. Como coordenadora, Veruska acompanha essas descobertas: “Isso está aproximando mais os pais da gente.”
Percorrendo a recepção e as salas, palavras são vistas espalhadas e exibidas de formas inusitadas. “Arreeiro”, “camarada”, “transeuntes”, “fosso” e “beiço”, são algumas delas, todas retiradas dos contos do Câmara Cascudo. “Os critérios que a gente usou foram palavras estranhas, que a gente não utiliza normalmente, e palavras que eles não sabiam o significado”, explica o mediador Leandro. Elas foram trabalhadas e representadas através de imagens, sons e vídeos, com o intuito da aproximação com o conto. Em seguida, foram espalhadas pela escola de formas “loucas e desconstruídas”, para se fixarem no imaginário dos alunos. “O que eu tô aprendendo aqui sei que posso usar depois”, afirma o aluno Gustavo.
Interatividade:
Que texto de Câmara Cascudo seria melhor adaptado para o cinema ?
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