sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O melhor amigo da Via Light

Cachorro quente do Russo é a salvação da madrugada
por Breno Marques

Não adianta insistir, que você não vai saber qual o verdadeiro nome do Russo, o feliz proprietário da barraca de cachorro quente mais movimentada da Via Light. Será muito mais fácil perguntar como esse paranaense chegou à Baixada Fluminense, quando tinha apenas 19 anos. Aí ele vai falar dos sonhos com que enchia a barriga, alimentada nos primeiros dias no Rio de Janeiro com “um pão com ovo na parte da manhã”. “Queria um emprego digno”, responde.

O primeiro emprego de Russo, hoje com 45 anos, em Nova Iguaçu foi em uma madeireira. Como ainda não era casado com a mulher que lhe deu suas quatro filhas, dormia em cima de uma ripa de madeira enquanto cursava os antigos primeiro e segundo graus, bem como um curso de técnico em eletrônico. “Só tinha até a terceira série quando cheguei aqui”, revela ele.

Enquanto se preparava para uma vida melhor, Russo juntou dinheiro até ter uma poupança que lhe desse autonomia para comer e se deslocar até o Centro do Rio de Janeiro, até conquistar um emprego em uma empresa de grande porte. Com a expectativa de uma vida melhor, Russo literalmente chutou o balde. “Dei um pé na bunda do meu patrão”, conta. “Falei que agora tinha estudo e não precisava mais daquela exploração.”

Vontade de desistir
A vingança veio a cavalo. “Resolvi fazer aquilo na época em que o presidente Collor assumiu e sumiu com a poupança de todos os brasileiros”, lembra o comerciante. E da noite para o dia ele se viu sem dinheiro para absolutamente nada. “O que me restou não me dava para trabalhar nem uma semana no Rio de Janeiro.” Pela primeira vez na vida, Russo esmoreceu e teve vontade de jogar tudo para o alto.

Na rua da amargura, Russo resolveu investir seus últimos centavos nas placas de alumínio que acreditava necessárias para montar uma barraca de lanches e pediu para usar as ferramentas de uma pequena metalúrgica. “O cara era maneiro e me apoiou”, conta Russo, que, mesmo sem saber soldar, saiu dali com uma barraca de 90 centímetros de comprimento por 70 centímetros de largura.

Mais uma vez, Russo misturou lugar de trabalho com moradia. “Passei a dormir no canto de baixo da barraca, onde guardava os mantimentos.” Para não ficar totalmente exposto, usava os parcos ganhos de seus primeiros cachorros quentes para alugar uma vaga em um estacionamento. “Lá eu dormia mais tranqüilo, porque sabia que não estava na rua correndo risco de vida.”

O novo empreendimento de Russo demorou a decolar, como se pode deduzir pelo fato de que vendeu apenas um sanduíche entre as oito da noite e as seis da manhã do primeiro dia de trabalho. “Fiquei desanimado com aquilo, achando não iria dar certo.” Só insistiu porque sequer tinha a opção de desistir.

Fiado no sacolão
Só teve mercadoria para trabalhar na segunda noite porque o dono de um sacolão lhe fez fiado, porém, mais uma vez, obteve um resultado pífio. “Vendi três cachorros quentes”, conta. Atribuiu o baixo desempenho ao ponto e se mudou para a Praça do Skate, do outro lado da linha do trem. A decisão só não foi mais acertada porque era naquele ponto que os bandidos abordavam suas vítimas. “Revoltados, eles botaram a arma na minha cabeça e me disseram que se eu não saísse de lá eles iriam me matar.”

Depois de uma temporada de prejuízos em frente ao prédio da Unimed, Russo começou a cogitar a possibilidade de se tornar mendigo. Sua sorte começou a mudar com a inauguração da Via Light, que desde sempre atraiu pessoas e carros. “Não havia ponto melhor para trabalhar”, comemora. O faturamento aumentou a um ponto tal que, na última festa de Santo Antônio, vendeu 956 cachorros quentes em apenas uma noite. “Quase não acreditei que pulei de um sanduíche para quase mil.”

Russo não se deslumbrou com os lucros, guardados numa poupança cuja finalidade era comprar uma casa para morar com a esposa e as quatro filhas. Mas só conseguiu alcançar seu objetivo quando passou a emprestar dinheiro a juros para os motoristas que queriam legalizar suas kombis, quando o transporte alternativo foi legalizado em Nova Iguaçu.

Russo se sente um vitorioso, mas não quer que seus filhos repitam sua trajetória. “Estão todos na escola”, afirma ele, que por essa razão mantém a esposa como dona de casa, cuidando do bem-estar da família. Apenas a filha mais velha, hoje com 15 anos, o ajuda na barraca e, mesmo assim, até a meia-noite. “Aí eu levo ela para casa, para que não perca a aula no dia seguinte.

Mas se engana que ele quer os seus filhos herdem a barraca da Via Light. “Quero que eles aprendam uma profissão decente.” Seu único receio é que elas trombem com o novo governo pela frente. “Aí elas vão começar tudo de novo.”

6 comentários:

  1. Como é bom ler algo seu meu anjo. Muito inteligente todas as letras e muito boa a forma que você falou deste mito do trabalho informa iguaçuano. SAUDADE e Namastê

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  2. Achei muito engraçada a matéria, principalmente porque, na avenida principal do centro de caxias, também ha um trailer com cachorros quente do Russo.

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  3. Muito boa a forma como a história dele foi exposta.
    Amo essa coisa de conhecer a pessoa e a trajetória por trás de pessoas que acabaram fazendo parte do "cenário". Pessoas que todo mundo passa mas não enxerga, não se pergunta o que o levou a estar ali.
    O Russo mostrou ser um exemplo de perseverança. Fazer a matéria sobre ele e dar acesso para que as pessoas o conheçam, para além da barraquinha, é uma forma de valorizar a luta que ele teve, além de motivar quem ainda está na luta!
    Mais matérias como essa precisam ser feitas, pra mostrar esse verdadeiros guerreiros, que venceram em Nova Iguaçu.
    E parabéns pro Breno!

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  4. Muito boa a matéria, Breno . E o Russo é mesmo a salvação das madrugadas de todo mundo . ! hahahaha

    ; D

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  5. Não falo por mim, mas realmente o fast food do cara é conceituado. Só lanchei la uma vez há muito tempo que valeu por duas. haha Foi em um carnaval, eu voltando da folia em N.I passei e fui provar o tal Hamburguer. Pedi um, e nuss vi que o preço tava salgado quando conferi meu troco, mas não falei nada. No caminho, quando eu vinha comendo, percebi que o Russo tinha colocado 2 aí pude entender o pq do alto preço hahahaha. È né? Essas coisas acontecem, carnaval, eu ja como? muito loko de folia. hi hi

    Mas quem diria que ali naquele ponto algo poderia ter lucro. Em quanto muitos só tem olhares para o calçadão o cara apostou na beira de estrada, fazendo tamanha alegria de muitos nas noites e madrugada jlhjkjhl

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  6. Acontecerá em Miguel Couto, nova Iguaçú, nos dias 14 e 15 de marçço de 2009, um seminário chamado Mãe Beata de Iyemonjá e a memória Cultura, preservando a ancestralidade. Gostaria de enviar dados sobre a programação desde evento, como faço?
    Meu e-mail é fdesouzavieira@yahoo.com.br

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