quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Folia caseira


Famílias da Baixada preferem fazer a festa na frente da tv
por Josy Antunes

Nem só de badalação se faz o carnaval. Há aqueles que trocam a agitação das ruas pelo conforto de suas próprias casas, onde rola um outro tipo de festa. Indo contra a preferência da maioria, Lilian Freitas, uma moradora de Austin, de 19 anos, responde com firmeza ao ser perguntada sobre o tão esperado feriado: “Gosto de assistir aos desfiles das escolas de samba!” Apesar dos três irmãos pequenos, o alvoroço durante a madrugada não se abala. “Eu torço pela Beija-Flor de Nilópolis!”, diz ela, já na expectativa pelos desfiles.

A fase pré-carnaval chega a ser tensa em algumas casas. Além da ansiedade pelo desfile das respectivas escolas, há o período da compra e preparação dos mantimentos. “A movimentação é quase igual a ir à Sapucaí”, explica Sidnea Rodrigues, moradora de Vila de Cava, que passa a data com cerca de treze pessoas, entre familiares e amigos. Pra garantir a fartura durante os dias de momo, ela e suas irmãs trabalham com dedicação. “São muitos comes-e-bebes. Depois, é de sábado até quarta-feira comendo”, explica ela.

Na grande sala da casa, mesmo abrigando seguidores de diferentes escolas de samba, o gosto e o respeito pelo carnaval são unânimes. “É tipo uma reunião familiar. Fica todo mundo sentadinho, falando sobre o dia-a-dia”, conta Sidnea, que não abre mão desse momento, nem na hipótese de assistir ao desfile ao vivo. “Não sei se seria tão bom quanto é em casa”. E a preferência não se dá apenas por causa da grande reunião. Ela considera que a festa nas ruas e avenidas tem sido cada vez mais perigosas, e que a falta da certeza do regresso até impede que a plena diversão aconteça. “A diversão é a mesma, só que em casa tem segurança”, avalia ela.

Como acompanhamento dos desfiles, Sidnea tem sempre à mão sua famosa batata-frita, que faz questão de preparar pessoalmente. Um corte fino e preciso é o segredo para que ela fique crocante e garanta o agrado do paladar durante toda a madrugada: “Vai até oito da manhã.”

Torcedora da Portela, “com muito orgulho”, ela está confiante na vitória para esse ano. “Vamos ser campeões!”, decreta ela, lamentando os quase dez anos de jejum de títulos da sua escola.

Zoação
Josemar Gomes, 20 anos, morador de Vila Nova, é apaixonado pela Estação Primeira da Mangueira desde bem pequeno. “Sempre fui muito zoado por ser mangueirense, principalmente quando quem ganhava era a Beija-Flor. Mas nunca me importei muito, enxergo as qualidades da escola. Ela tem história, cultura, preserva sua raiz”, defende. Para ele, a paixão vai além dos quatro dias, que passa vestindo a camisa da verde e rosa. “Compro o CD dos sambas, depois compro o DVD para assistir aos ensaios. Faço questão de decorar os sambas-enredos assim que eles são divulgados, mais ou menos em novembro”, declara ele, já com o de 2009 na ponta da língua: “Um elo de amor à minha bandeira! Canta Estação Primeira!”
Sozinho contra seus pais, que torcem pela Beija-Flor, Josemar mantém sua atenção redobrada durante os desfiles, para poder comparar, concordando ou não com os jurados no dia da apuração. “Geralmente assistimos aos desfiles em cômodos diferentes, para não haver problemas”, explica ele, acrescentando que a disputa vira um dilema não só na quarta-feira de cinzas. “Certas notas são comentadas o ano inteiro”, lembra Josemar, que garante que cada nota dez obtida é uma conquista. “E quando a escola do outro ganha uma nota inferior, já vira motivo de chacota.”

Não lhe falta vontade de ver os desfiles de perto, mas os preços dos ingressos não contribuem. Eles custam em média 180 reais, podendo variar de acordo com a visibilidade da avenida e a comodidade. “Já tive o dinheiro do ingresso, mas não encontrei companhias”, queixa-se Josemar, que também tem planos de um dia desfilar na sua escola. “Acredito que nada compensa assistir ao desfile ao vivo. A energia e vibração certamente são maiores”, acrescenta ele, conformando-se com a TV.

Moradora de Cabuçu, Cibele da Costa, de 18 anos, vê o carnaval como a época mais divertida do ano: “Podemos sair fantasiados, andar atrás de trios, pular, sambar, mulheres se vestindo de homem e vice-versa.” Durante os desfiles, ela está pelas ruas, mas a reprise é sagrada. “Quando não dá pra assistir na televisão, assisto no youtube, preciso ver como foi minha escola”, afirma.

Próximo ano
Acompanhada do tio, mangueirense como ela, Cibele tem a transmissão dos desfiles regada não só cerveja. “Às vezes, eu choro de emoção. E quando minha escola perde também. Mas ninguém sabe, por que eu tento me mostrar superior”, diz ela em meio a risos. Quando a derrota acontece, as esperanças para o próximo ano já se iniciam: “Fico esperando que o próximo ano seja melhor.”

Nada abala a devoção de Josemar pela Mangueira. “Hoje sou mangueirense roxo, ou melhor, verde e rosa, mesmo que a escola um dia volte a ser bloco de rua. Não é sempre que os desfiles me agradam, mas faz parte”.

Nos casos de vitória, uma nova festa é iniciada em comemoração, com direito a muitas piadas atacando os adversários. “É a maior alegria, nós nos abraçamos e uma vez eu até chorei”, lembra Cibele.

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