quarta-feira, 23 de julho de 2008

Em nome do pai

O sumiço dos pais deixa mais dúvidas do que saudade nos filhos

Por Lucas Lima e Leonardo Venâncio

O dia dos pais está se aproximando. A mídia está colocando no ar uma tempestade de propagandas em que essa figura sempre aparece de maneira idealizada, como se fosse um super-herói retirado das revistas em quadrinhos. Uma das pessoas que se emociona com esses anúncios é o estudante Giovane Ferreira, de 15 anos. “Fico triste”, confessa ele. Giovane, que mora com a mãe, a avó e um tio no bairro de Santa Eugênia, nunca conheceu o pai.

Giovane não sabe a razão para não conhecer o pai e, apesar da curiosidade, evita falar sobre o assunto com as pessoas que podiam lhe dizer toda a verdade. “Minha mãe uma vez me disse que ele havia morrido”, conta Giovane. “Mas com o tempo comecei a achar que não era verdade.” Ele até hoje não sabe a razão para ter crescido sem essa figura que tanta inveja lhe despertou dos amigos de escola. “Não sei se minha mãe não contou a ele ou se ele não deu importância.”

Filho da outra

Com os mesmos 15 anos de Giovane, o estudante Igor Oliveira também cresceu sem o pai e foi criado por um time semelhante, que, além da mãe, um tia e a avó, incluía o avô. Mas Igor tem diversas vantagens em relação a Giovane. Além de ver o pai duas vezes por ano, ele sabe a razão de não ter crescido ao lado dele. “Eu nasci de uma traição”, conta ele. “Ele não mora comigo porque era casado quando minha mãe se envolveu com ele.” Essas vantagens, no entanto, não diminuem a sensação de solidão que o acompanha quando vê os amigos normais e a falta que sente de conversar com um homem mais velho.

Com 22 anos, Bruno Santos de Jesus é bem mais maduro do que Igor. Mas ele também chorou sozinho quando menino, por ter que se virar sozinho em questões tipicamente masculinas. “Embora não me proibisse de procurá-lo, minha mãe sempre passou uma imagem de que meu pai é uma pessoa covarde, fraca e incapaz”, conta Bruno, que preferiu não confrontar a figura paterna que existia em sua fantasia com a que era desenhada por sua mãe. “Terminei me conformando.”

Inveja dos amigos

Apesar de doloridas, essas biografias cada vez mais comuns em Nova Iguaçu são acompanhadas de alguns lugares comuns. Um deles é a capacidade que esses jovens têm para projetar a figura paterna em qualquer pessoa que use calças compridas e tenha um buço acima dos lábios. “Considero como pais meus tios, o marido da minha tia e o irmão mais velho de minha meia-irmã”, enumera Giovane. “Eu primeiro invejava os amigos da escola”, conta Diogo Gonçalves, de 16 anos. “Mas com o tempo passei a adotar os pais dos amigos mais próximos.”

Também goza de status de tabu o diálogo com as mães sobre esses pais ausentes. “Minha mãe nunca gostou da idéia de eu procurá-lo”, diz William Santos Ferreira, de 18 anos. Um dos argumentos usados pela mãe de William para convencê-lo a aceitar a orfandade em vida foi a fragilidade do menino, decorrente do próprio fato de não ter um homem em quem se inspirar dentro de casa.

Pai bandido

A mãe de Eduardo Correa Lima foi mais enfática, desencorajando o filho com a idéia de que o reencontro com o pai podia lhe trazer sérios problemas. “Minha mãe falava algumas coisas do meu pai, que ele não prestava, era bandido”, queixa-se Eduardo, de 20 anos.

A dureza dessas palavras deve ser a razão para que esses meninos praticamente tenham eliminado a palavra “rancor” do dicionário. “Pelo menos tive minha mãe e minha avó para me ajudar”, suaviza Márcio. Quem também não perde o bom humor é William, que não guarda nenhum sentimento ruim pelo pai. Já Diogo é tão tranqüilo com o próprio drama que tem como grande sonho ser pai. “Desejo um dia ser pai, poder ensinar a meu filho coisas que, infelizmente, meu pai não teve oportunidade de ensinar para mim.”

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