sexta-feira, 11 de julho de 2008

Como são feitos os fortes

Dona de um dos bares mais concorridos de Comendador Soares, dona Luzia sofreu muito antes de conhecer o sucesso

Texto e fotos de Flávia Sá

Com 60 anos, Luzia Vieira dos Reis é mãe de sete filhos, sendo que um morreu aos dois meses de vida. Teve uma vida muito dura ao lado de seu Sebastião, pai de seus filhos e marido até ter a vida destruída pelo alcoolismo. Ela é a filha caçula da lavadeira Olívia Doim dos Reis, que, se estivesse viva, hoje teria 102 anos. Tinha seis irmãos.

Cresceu em uma época difícil, em que as mulheres que se perdiam cedo eram chamadas de fáceis. "Alguns pais proibiam suas filhas honradas de brincarem com esse tipo de garota", lembra. Esse conservadorismo fazia com que os pais jamais levassem as filhas a um ginecologista. "A gente aprendia a se cuidar em casa."


Dona Luzia conheceu seu Sebastião com dez anos, começou a namorá-lo com 12 e, depois de se casar no papel, teve seu primeiro filho com 16 anos. Como a mãe, teve sete filhos e perdeu uma menina, que morreu devido a complicações no parto. Engravidou a cada dois anos, tendo tido sete abortos espontâneos.


Sobreviventes


Entre os que sobreviveram, o mais velho dos seus filhos é Rita de Cássia, hoje com 40 anos. A escadinha segue com Marcelo (38), Márcia (36), Cristiano (35), Henrique (32) e o caçula Leandro (30). "Todos sempre foram muito companheiros", diz.


A vida de dona Luzia transformou-se em um pesadelo há cerca de 30 anos, quando seu Tião começou a beber compulsivamente. "Acabou meu casamento", lembra. Com exceção de Leandro, as crianças já estavam bem crescidinhas quando isso começou a acontecer.


Além de gastar todo o dinheiro da família nas biroscas, seu Tião chegava em casa agressivo com a mulher e os filhos. "Ele batia em mim e nas crianças sem motivo", lembra dona Luíza. Dormir na casa dos vizinhos foi a única alternativa que encontraram nas noites de crise. "Ainda bem que nós éramos muito queridos no bairro."


Noites infernais

Aquelas noites foram infernais principalmente para Rita, a filha mais velha do casal. "Quando ele chegava em casa, pedia para que Rita preparasse o seu jantar, o que ela fazia com medo de apanhar do pai." Mas ele adormecia quando ela lhe servia, deixando a sopa esfriar. Quando ele acordava, exigia que a menina esquentasse sua comida. "A menina ficava esquentando a sopa dele a noite inteira", lembra dona Luíza, revoltando-se.


Esse círculo vicioso teve um ápice na noite em que, mais uma vez embriagado, seu Tião agrediu dona Luíza com uma panela de pressão. Ela foi salva pelos filhos, que se uniram para defendê-la. "Cristiano e Henrique pegaram um pedaço de pau para contê-lo enquanto Marcelo lhe dava uma gravata por trás."


Ela, que sempre aceitava as desculpas que ele invariavelmente lhe pedia na manhã seguinte, terminou enojando-se do marido. "Cansada dos maus-tratos, botei ele para correr de casa." A vida ficou ainda mais dura do ponto de vista econômico, mas bem mais tranqüila. "Eu e os meninos fomos morar numa casa de um cômodo", lembra dona Luíza.


Mutirões


A sobrevivência foi garantida em verdadeiros mutirões diários, dos quais participavam quase todos os membros da família. "Minha menina mais velha começou a vender café com bolo nos pontos dos caminhoneiros." Rita teve que parar de estudar.


O faturamento não era dos melhores, mas não apenas dava para alimentar os seis filhos, como para juntar o dinheiro com que dona Luíza comprou primeiro uma kombi e depois um fusca. "Esses carros foram fundamentais para que pudesse comprar mercadorias e eu abri uma birosca na janela da minha casa."


Jeito em seu Tião

O negócio de dona Luíza foi progredindo e ganhando novas características. "Chegamos a ter um abatedouro com os frangos e os porcos que criávamos no quintal de casa", conta. Atualmente, ela tem um dos bares mais concorridos do bairro de Comendador Soares, com cerveja gelada e um ruidoso videokê. "O bar não tem nome, mas a freguesia é grande."


O bar tem a idade da sua neta mais velha: 22 anos. São 17 netos. Até mesmo seu Tião tomou jeito na vida, depois de encontrar uma companheira, ao lado da qual entrou na igreja e parou de beber. "Posso dizer que hoje somos amigos", avalia dona Luíza.

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