terça-feira, 29 de julho de 2008

Caiu na Rede é Cearense

Jovem Repórter da Baixada encontra Sushi-men cearenses no Rio

Por Flávia Ferreira

Matéria publicada pelo blog Na Periferia, de Ecio Salles e Marcus Vinícius Faustini, para o Globo Online

A primeira surpresa que se tem na entrada do Sushimar de Laranjeiras está em sua decoração, na qual os elementos da milenar cultura japonesa foram substituídos por mangás expostos na parede e por móveis de uma estética igualmente pop. Mas os garçons e sushi-men da casa, embora tentem disfarçar a origem nordestina com o semblante circunspecto dos japoneses, também estão antenados com a modernidade dessa rede de restaurantes, que tem quatro casas no Rio de Janeiro. "Eu falo com minha cidade pelo Orkut", diz Rodrigo Lopes da Silva, um sushi-man cearense de 25 anos, que há três anos deixou Ibiapina para morar no complexo Pavão-Pavãozinho, na fronteira entre Ipanema e Copacabana.

Rodrigo da Silva é um dos cinco funcionários dessa filial nascidos em Ibiapina, uma cidade com cerca de 30 mil habitantes encravada na Serra de Ibiapava, no sertão cearense. O notebook comprado em 12 prestações, que também usa para baixar músicas da internet, é o principal símbolo de status de uma comunidade cujos tentáculos se espalham por diversas favelas do Rio de Janeiro, indo da Zona Sul à Zona Oeste. Ele não tem a menor vontade de voltar para a cidade de que saiu, no ônibus da Itapemirim que liga sua cidade à região Sudeste do país, com destino certo. "Liguei para um primo que mora no Pavãozinho", conta.

É apenas uma coincidência o fato de os cinco funcionários terem se conhecido no próprio local, com perguntas formuladas a partir do reconhecimento do indefectível sotaque cearense. Mas o mesmo Rodrigo chegou ao Sushimar por intermédio de um conterrâneo a que teve acesso na filial da rede de Ibiapina montada no Pavãozinho. "Delmar era o chefe de cozinha do Sushimar da Barra e me conseguiu uma vaga de ajudante de sushi-man no Sushimar do Recreio", conta ele. Não foi muito diferente com seu conterrâneo Geraldo Rodrigues Fernandes, um cozinheiro de 22 anos que agarrou com unhas e dentes o emprego conseguido por um vizinho do Parque União, complexo de favelas da Maré, onde foi recebido há dois anos e meio por duas irmãs. O amigo em questão hoje mora em Ibiapina.



É bastante possível que Geraldo Fernandes faça com o seu amigo o mesmo que o sushi-man Carlos Roberto Rodrigues, que conheceu ali mesmo no Sushimar. "Meu irmão foi passar uma temporada no Ceará e, quando voltou, eu arrumei um emprego para ele de cozinheiro no Sushimar", conta Carlos Roberto, que chegou ao Rio de Janeiro há seis anos, depois de uma temporada de um ano e meio em São Paulo. Foi o irmão de Carlos Roberto que o acolheu na cidade, mais precisamente no morro do Andaraí. Além de acolhê-lo, o irmão de Carlos Roberto conseguiu o seu primeiro e único emprego no Rio. "Foi por intermédio dele que me tornei ajudante de cozinha dessa casa", conta.

O decano dessa turma é o sushi-man Francisco Eudes Rodrigues, que chegou ao Rio de Janeiro há 20 anos com uma mão na frente e outra atrás. Além da cidade natal, são poucos os pontos em comum entre a biografia de Francisco e a de seus companheiros de Sushimar. Um deles é que foi recebido por um irmão, que já morava na cidade havia cinco anos. Sua história também faz interseção com a de seus conterrâneos no que diz respeito ao modo como aprendeu a arte de cortar o peixe. "Foi olhando os outros fazendo", conta esse morador da Gardênia, área dominada por milícias, na Zona Oeste. Francisco Rodrigues descobriu o maravilhoso mundo dos japoneses ainda na década de 1980, no tradicional Tanaka.

Além das dificuldades inerentes a todo pioneiro, Francisco Rodrigues não ascendeu profissionalmente com a mesma rapidez das gerações de sushi-men que o sucederam pelo fato de ser semi-analfabeto. "Passei cinco anos para conseguir o que esses meninos agora conseguem em seis meses", conta ele, que está no Sushimar de São Salvador há seis meses. O fato de não ter estudado, proibição que o pai agricultor estendeu a seus doze irmãos, pode estar por trás dos longos hiatos de comunicação com a terra natal. "A primeira vez que fui a Ibiapina foi no verão passado", revela ele, que foi dado como morto porque nesses longos 20 anos sequer mandou uma carta para a família. A conta que abriu no Orkut, influenciado pelos companheiros high tech do Sushimar, tem poucos scraps trocados com os familiares.

Francisco Rodrigues foi para Ibiapina da mesma forma que seu companheiro Carlos Roberto pretende ir nas próximas férias, para mostrar aos familiares a filha que está prestes a nascer. "Eu vou numa promoção da Gol, mas devo voltar de ônibus", planeja Carlos Roberto. A volta de ônibus se justifica pelo excesso de peso na bagagem, na qual trazem estoques de feijão, farinha e queijo de coalho, entre outros produtos capazes de preservar o amor pelo Ceará. Embora tenha muito mais contato com a terra natal que o decano da turma, Carlos Roberto não pretende fazer como seu pai, que só abandonou o Cariri no último pau-de-arara e voltou para Ibiapina tão logo amealhou uma pequena poupança suando na construção civil. "Estou muito feliz aqui", diz Carlos Roberto.

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