sexta-feira, 20 de junho de 2008

A casa das três mulheres

Matéria abre série de reportagens "Homem da casa", sobre famílias com o pai ausente.

Por Camila Oliveira e Flávia Sá

Renata tem 20 anos e Raquel, três. A mãe das duas, a enfermeira de 38 anos Luisa dos Santos Gomes, criou-as sozinha porque, embora sejam filhas de pais diferentes, foi abandonada pelos dois tão logo anunciou a gravidez.
A história dessas três mulheres é permeada de dramas pungentes, que logo no início esbarra em um conflito de versões. "Papai foi embora porque o relacionamento com mamãe já não dava mais certo", conta Renata.

Covarde
A mãe, porém, carrega nas tintas ao contar a razão da separação. "Ele foi covarde e não quis assumir a filha porque dizia que era muito novo e ainda tinha muito que viver", afirma a mãe, que ainda teve que carregar a acusação de que engravidara de propósito.
O drama de Luísa não parou com o abandono do namorado, quando ainda era menor de idade. Aquele era uma época em que havia muito moralismo e seus pais botaram-na para correr de casa. "Fui morar com uma amiga", conta a mãe de Renata.

Como as amigas
Foi graças à amiga, que morava com uma tia, que conseguiu concluir o curso de enfermagem dois meses após o nascimento de Renata. Luísa só arrumou seu primeiro emprego, como acompanhante de idosos, quando a filha tinha nove meses. "A tia da minha amiga ficava com a Renata", conta Luísa.
Renata começou a ir para a escola com três anos e, com o passar do tempo, percebeu que a família era diferente. "A minha não tinha pai", lembra. Em nome do desejo de ser igual a suas amigas, perguntou à mãe se era órfã. "Minha mãe disse que não, apenas que não moravam juntos."

Nova família
Renata ficou radiante quando a mãe resolveu levá-la para conhecê-lo. "Ele me visitou com freqüência até os meus seis anos", diz ela. Mas esse foi o típico caso de alegria de pobre: durou pouco. "Minha mãe foi pedir que ele ajudasse com as despesas ao ficar desempregada e ele resolveu sair fora outra vez", lamenta.
A vida de Renata e Luísa deu muitas voltas. Depois da decepção com o pai da menina, a enfermeira pediu socorro aos pais, onde ficaram até a mãe conseguir um emprego estável e, acima de tudo, arrumar um namorado disposto a constituir uma família com as duas.

Quem é você?
Mais uma vez, a felicidade de Luísa durou pouco. "Quando eu fiz 14 anos, ele chegou alcoolizado em casa e tentou abusar de mim", conta Renata. O desespero da menina só não foi maior do que a nova decepção com o pai, a quem procurou quando viu a dificuldade para a mãe manter o aluguel do quarto-e-sala em que as duas foram morar. "Quando eu fui pedir ajuda, ele fingiu que não me conhecia."
Para ajudar a mãe, que trabalhava como auxiliar de enfermagem em um hospital, Renata foi tomar de conta de crianças para ajudar nas despesas. "Queria que minha trabalhasse menos, para que ficássemos mais tempo juntas." Luísa só aceitou a ajuda da filha até Renata perder um ano na escola.

Ano perdido
Há três anos, Luísa arrumou um novo companheiro, porém, mais uma vez, o que era doce acabou tão rápido como uma brincadeira de criança. "Ele arrumou uma outra mulher e se separou de mim", lamenta Luísa. Essa relação deixou como saldo uma irmãzinha para Renata e uma pensão para a mãe. "Não deixa de ser uma ajuda", contabiliza a mãe.
Renata diz que não confia em homem algum e que morre de pena de tudo o que a mãe teve que passar. Chegou a perguntar por que ela não a abortou. "Você não teria tantos problemas", disse para a mãe. Mas a mãe diz que não abortou porque já a amava antes mesmo de ela nascer.
Renata, que está para terminar o ensino médio em uma escola pública de Mesquita, nunca mais procurou o pai. "Eu trabalho meio período em uma loja de roupa para ajudar minha mãe e minha irmã."

Um comentário:

  1. Vim a conhecer "de fato" meu filho quando ele tinha 22 anos. Aos seus 2 anos, sua mãe veio à minha frente, na praia, e disse que aquela criança que ali estava ao seu lado, era meu filho. Reagi com um "como assim?" reticente - tivéramos uma única relação amorosa e, na verdade, eu nem me recordava disso com clareza. Ela se foi, nunca mais me procurou e não tivemos contato por uns 4 anos. Viajei para o exterior e não pensei mais nisso: me parecia absurda a idéia de uma pessoa não me procurar por 3 anos e aparecer do nada pra me apresentar a uma criança "minha". Quando a revi numa noitada embaladíssima, ela me disse que tinha um filho meu. A repetição do fato me deixou apreensivo. Falei sobre isso com meu irmão, que me revelou, pra meu espanto, que ela falara com ele a mesma coisa, ou seja, que ELE era pai de uma criança dela. Fiquei confuso, desorientado, mas tentei localizar a mulher, com a qual não tinha muito contato, esclarecer essa história afinal. Ela faleceu logo em seguida, mas eu não soube disso. Procurei por ela e pela criança por algum tempo, mas não consegui meios de localizá-los. Com o tempo fui esquecendo da história. Na realidade, como da primeira vez em que ela me revelou a existência da criança, achei que se fosse realmente verdade, ela me procuraria em uma ocasião de maior lucidez ou formalidade, onde não houvesse o calor do sol do verão na cabeça, nem a embriaguez noturna. Foi um erro. O tempo foi passando. Uns 14 anos depois descobri que ela não me procurou no início da gravidez por estar casada, que ao me procurar mais tarde, em ambas ocasiões, não foi acertiva porque não tinha certeza de que o filho era meu e que "desapareceu" porque foi assassinada. Hoje meu filho tem 28 anos e tento ajudá-lo a reestruturar sua vida, já que não teve a sorte de encontrar pessoas com boa estrutura, capazes de lhe proporcionar uma formação digna.

    Um abraço a todos, e em especial a essas três mulheres que compartilham conosco suas histórias de vida.

    Luís

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