Por Letícia da Rocha
Imagens: Site da SUMUV
Graal é um grupo que tem ajudado muitos jovens a encontrar-se como indivíduo na sociedade. Trabalha o sujeito e sua capacidade de se defender. Uma expressão que normalmente designa o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia, o nome Graal foi aplicado como uma tentativa de se criar uma sigla a partir de Grupos Reflexivos. Mas a cultura da paz que tenta difundir é sagrada para os estudiosos da violência.
O projeto, que tem uma história de cerca de 30 anos, funciona em diversas partes do Rio de Janeiro. Sua filosofia, no entanto, caiu como uma luva em Nova Iguaçu, onde é grande o número de jovens envolvidos com a violência, principalmente a letal. Pesquisa do Sistema de Informação de Mortalidade – SIM/DATASUS – mostra que 38% dos mortos por homicídio em Nova Iguaçu tinham entre 14 e 24 anos.
Segundo o coordenador geral do programa, o psicólogo Fernando Acosta, o projeto passou por várias adaptações para ser implantado em Nova Iguaçu. "Não conhecíamos a realidade local", explica o psicólogo. "O Graal também jamais havia sido implantado como uma política pública, capaz de atender todos os bairros de uma cidade." Uma das dificuldades encontradas pelo Graal foi encontrar e treinar facilitadores locais.
Também não foi nada fácil o estabelecimento de parcerias na cidade, onde o programa já funciona em escolas, associações de moradores, centros comunitários e espaços culturais de 29 localidades. Embora o projeto se preocupe mais com a prevenção do que com a recuperação, ele também foi implantado na 52ª DP, comandada pelo delegado Orlando Zaccone. Outra instituição de recuperação em que ele funciona é o CRIAM.
O Graal também atende familiares de vítimas de violência, dentre os quais se destacam os da chacina de Nova Iguaçu. A próxima meta dos mentores do programa é levá-los para os batalhões da polícia militar. "A violência policial pode ser ordenada por pessoas mais velhas, mas ela é executada pelos jovens", lembra Fernando Acosta.
Os grupos se reúnem uma vez por semana ou quinzenalmente. "Mas eles não abordam somente o tema violência", explica Fernando Acosta. "Temas como família, sexualidade, drogas e gravidez precoce também interessam à juventude e são fundamentais na criação de uma cultura da paz."
Os grupos são coordenados por facilitadores, que têm como papel suscitar discussões e mediar as polêmicas. "Não há a intenção de ensinar e sim pensar junto", diz a psicóloga Fernanda Bororó, uma das facilitadoras do grupo Bate rebate da Casa do Menor São Miguel Arcanjo. Todas as equipes trabalham diretamente com os jovens, inclusive as pessoas da coordenação e direção do programa, como o psicólogo Fernando Costa. As equipes facilitadoras, por sua vez, são divididas em grupos, que se encontram uma vez por semana com dois supervisores a fim de rever as questões levantadas durante o processo grupal.
Participam do Graal jovens de 13 até 29 anos, independentemente de terem sofrido algum tipo de violência ou não. Mas muitos jovens descobriram nos grupos reflexivos que a violência tem muitas faces. A estudante Liriane Campos Melo viu um homem batendo em uma mulher e se chocou com dois fatos. "A mulher não tinha como se defender e as pessoas passando na rua não fizeram nada para ajudar", diz.
A também estudante Jenifer Freire de Oliveira percebeu que a violência moral é comum e, pior, subestimada. "Essa violência se manifesta nas coisas mais banais", explica. E cita como exemplo um dia em que jovens tomaram a mochila de um companheiro de escola e ficaram jogando-a de um lado para outro. "Eles chamaram isso de zoação", diz. "Mas para mim isso tem outro nome."
Os encontros e as discussões dentro do Graal têm produzido outras mudanças na vida dos jovens. "Cheguei a me arrepender de uma relação que acabei", conta Liriane, que, hoje, teria sido mais flexível. Jenifer ficou impactada ao descobrir os sonhos de futuro dos jovens com os quais compartilhou um dos grupos reflexivos. "Eu me surpreendi quando os jovens disseram que queriam coisas simples", diz a estudante. "Nada de grandeza, apenas coisas que envolviam a felicidade."
Natalia Stefani, que chegou ao Graal com a expectativa de um curso, era uma menina tímida quando começou a participar dos grupos reflexivos. "Hoje em dia meus amigos brincam comigo, dizendo que eu falo demais", diz ela. Quem também se tornou mais comunicativo foi Marcos Vieira, que tirou partido das dinâmicas do programa em uma entrevista para emprego. "Sabia o que tinha que falar por causa do Graal", afirma.
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