O delegado chegou à 52ª DP com uma sólida bagagem teórica, consolidada no mestrado em ciências penais da Universidade Cândido Mendes. Mas precisou da temperança desenvolvida nos tempos em que era adepto da filosofia Hare Krishna para administrar com galhardia as imposições da Lei de Execução Penal e as limitações materiais e pessoais da delegacia que assumiu. "Tanto os presos condenados como os custodiados têm seus direitos e é dever do Estado dar assistência educacional, médica e cultural a eles." Orlando Zaccone se viu na obrigação de recorrer à sociedade civil para cumprir com suas obrigações, mas o resultado foi gratificante. "Tivemos uma recepção muito boa da Prefeitura de Nova Iguaçu e dos músicos Marcelo Yuka e Tico Santa Cruz", lembra.
Começavam aí projetos como um cineclube quinzenal, shows musicais, criação de uma biblioteca e a publicação do jornal "Sol quadrado também brilha", além da formação de dois grupos reflexivos do GRAAL. Mas o delegado mais midiático do Rio de Janeiro não revolucionou o cotidiano da 52ª apenas com o respeito às imposições da Lei de Execução Penal aos serviços assistenciais que têm que ser prestados aos presos. Orlando Zaccone também mudou o modo como os presos são tratados, abdicando em definitivo do uso da força. "Você pode exercer uma autoridade sem violar o principio da dignidade da pessoa humana", afirma.
Orlando Zaccone tem uma intensa produção teórica, na qual se destaca a dissertação de mestrado "Acionistas do nada". Nessa dissertação, recebida com estardalhaço tanto pela academia como pela mídia, defendeu idéias polêmicas como as de que o aparato repressivo do Estado só prende os bagrinhos do crime. Outra ousada tese defendida por este ex-jornalista, que começou a estudar direito pressionado pelo pai também policial, foi publicada no site oficial do movimento "Marcha da maconha". No artigo "Paz sem voz no estado de exceção", o delegado condenou a decisão judicial que proibia a manifestação pela legalização da maconha. "Embora já tenhamos separado o Estado da Igreja há alguns séculos, as nossas ações no cotidiano estão carrregadas de um sentimento de sacralidade, onde nós vemos determinadas coisas como divinas e outras como profanas", filosofa. As drogas ilícitas são um desses temas.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Um delegado que cumpre as leis
Orlando Zaccone revoluciona cotidiano da 52ª respeitando direitos dos presos.
Por Avrill Nobre
O delegado Orlando Zaccone chegou à 52ª DP em janeiro de 2007, quando Sergio Cabral assumiu o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Encontrou então 400 presos espremidos na carceragem, que hoje, um ano e meio depois, ele reduziu para 280. Iniciou de imediato um projeto que chamou de Carceragem Cidadã, um projeto em parceria com a Prefeitura Municipal, Governo do Estado e Governo Federal que oferece saúde, educação e cultura aos presos. "Só estou cumprindo o que determina a Lei de Execução Penal", afirma o delegado, um ex-surfista e budista de 44 anos que surpreendeu os amigos quando entrou para a polícia.
A repercussão na mídia é apenas um dos sinais de que o trabalho de Orlando Zaccone à frente da 52ª DP está revolucionando o cotidiano da Polícia Civil. "A Polícia Civil não deveria ficar com os presos", afirma. "Ter a cautela dos presos é uma atribuição da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária." Há normas da Organização dos Estados Americanos (OEA) que determinam que a instituição responsável pela investigação não pode manter o preso por muito tempo. "O projeto da Polícia Civil é acabar com as carceragens em delegacias", diz. Uma prova disso é que a planta arquitetônica das chamadas delegacias legais, um projeto de 2001, não prevê espaço para a carceragem.
Esse generoso projeto da Polícia Civil, criado na época em que o antropólogo Luiz Eduardo Soares era o coordenador de Segurança do Governo Garotinho, teve pelo menos um indigesto efeito colateral. "As carceragens se tornaram ambientes ainda mais inóspitos, sem a menor assistência da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária", constata. Essa assistência seria necessária porque as carceragens vivem uma situação dramática do ponto de vista pessoal, com poucos assistentes sociais, poucos advogados e poucos médicos. "O preso que fica sob a custódia da polícia acaba ficando numa situação ainda mais vulnerável, pois não temos nenhum tipo de profissional que possa lhe dar assistência."
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