Por Sheila Loureiro
A cidade é grande e as pessoas, com pressa, não prestam atenção. Mas ao lado delas pode estar um rosto suado como o de Sérgio Bandeira Loureiro, que com freqüência anda uma hora e meia de sua casa até o Centro de Nova Iguaçu. Com a sola do sapato gasta e o rosto suado, Sérgio Loureiro, que tem 53 anos, está longe de ser uma exceção em meio à pobreza da Baixada Fluminense. "Desde o momento em que consegui criar os meus filhos, isso já mudou a minha vida", resigna-se esse morador da Rua Barita, em Austin.
Sérgio Loureiro, que está muito velho para ter direito ao passe estudantil e muito novo para ter direito ao Rio-Card da terceira idade, faz essas longas caminhadas para ir trabalhar. Por ser do lar, sua mulher Irene Santana gasta menos sola do chinelo que usa para levar o filho para a única escola pública que conseguiu vaga para ele, a meia hora de caminhada da sua casa. Incomoda-se com a poeira acumulada nos pés, mas é com satisfação que faz esse trajeto diariamente. "Minha mãe era doente e não podia me levar à escola", lembra a dona de casa, que não pôde estudar.
Vidas secas
A família Loureiro em nada se parece com a do retirante Fabiano, personagem do romance Vidas Secas, do alagoano Graciliano Ramos. Mas também é a pé que seus filhos vão atrás de um futuro diferente. Com 16 anos, Renato passa o dia inteiro na obra em que é ajudante de pedreiro e, de lá, caminha até a escola por intermédio da qual pretende pavimentar sua estrada até o vestibular de administração de empresa. Esse caminho, que tem um pouco de asfalto, mato e lama, é feito com passadas largas em cima de um sapato "que não tem nada de especial". "Quero terminar logo o ensino médio", diz Renato.A família Loureiro tem parentes que ocupam pelo menos mais duas casas da Rua Barita. Do número 50, Lindiara Loureiro parte diariamente com seu furado sapato escolar atrás de um futuro talvez mais pretensioso do que o de Renato. "Quero ser advogada", afirma ela, que faz esse trajeto a pé porque ainda não conseguiu o passe escolar que lhe pouparia uma caminha de mais de meia hora. Na porta da sala de aula, ela sempre dá uma parada para limpar os sapatos que suja nas imediações da escola, cuja rua é de barro.
Uma bicicleta para Weverton
Juliana Loureiro parte do número 150 da mesma Rua Barita por um caminho com "rua asfaltada e um supermercado perto do ponto de ônibus" que não pode pegar porque também ainda não conseguiu pegar o passe escolar. Com 12 anos, Juliana tem que sair 35 minutos antes da aula para chegar a tempo com seu sapato "que já está rasgando e até furando de tanto andar com ele". Ela caminha determinada, "faça chuva, faça sol". "Vou atrás do meu futuro."
A jovem repórter Sheila Loureiro tem a mesma sina fabiana da família. E sonha com o dia em que vai comprar a bicicleta com a qual poupará não apenas o tempo que a separa da escola em que estuda seu filho Weverton, de sete anos. "Tem dias que ele nem quer ir para a escola, de tão cansado", queixa-se Sheila, de 22 anos. Mesmo nesses dias ela insiste em meter o pé na lama. "Sei que um dia ele vai me agradecer muito por esse sacrifício."
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