sexta-feira, 30 de maio de 2008

Narcisismo digital

Juventude de Nova Iguaçu usa celulares e máquinas digitais para guardar os bons momentos.

Por: Marcelle da Fonseca Lima
Imagens: cedidas pelos entrevistados.

Os celulares usados que o pai de Carolina Fernandes revende sempre despertaram a cobiça da estudante, mas ela só conseguiu realizar o seu sonho de consumo no dia em que ousou pegar um aparelho escondido. “Estou com ele até hoje”, revela com um ar maroto. O pai jamais desconfiou.

O também estudante Giovane Alves dos Santos não cometeu nenhum deslize ético, mas não foi menos trabalhosa a conquista do aparelho que com freqüência usa para fotografar a si mesmo e exibir sua beleza no Orkut para as pessoas que não o conhecem. “Consegui o meu celular com muito suor, juntando o dinheiro que recebia do programa Juventude Cidadã que fiz em 2007”, conta o estudante.

A estudante Natália Stefani Bastos Marques também usa o celular para experiências narcisistas, como a de um dia em que estava sem nada para fazer e resolveu tirar fotos de si mesma. Uma dessas fotos, atualmente exibida no seu Orkut, deixou-a parecida com uma modelo. “Adorei aquela foto”, conta. Mas Natália não usa o aparelho apenas como um espelho. Ela também gosta de registrar os passeios que dá com os pais.

Também vão parar no Orkut as fotos tiradas pela também estudante Jéssica de Jesus Guimarães, mas as produz com a câmera digital que com freqüência traz em sua bolsa. “Uso a minha câmera para recordar momentos felizes, como passeios, festas, etc.”, conta. O registro mais recente foi feito em um passeio ao Parque Municipal de Nova Iguaçu, ao qual chegou depois de uma caminhada de quatro horas.

Uma das fotos de que mais gosta é a de um conjunto de árvores próximas a um paredão “esculpido pela mãe natureza”, que a deixaram encantada. “Toda vez que olho para aquela foto lembro o esforço que fiz para chegar até ali”, diz Jéssica. Também há histórias de obstinação por trás das fotos tiradas por Gracilene Ferreira Mattos, que tem como grande musa o cachorro Pretinho, da raça Pichi 2.

“Eu sempre quis ter um cachorro”, conta Gracilene, cujo sonho de consumo esbarrava na intransigência do pai. Ela tentou driblar a vigilância dele, levando para casa um dos filhotes da ninhada da cadela de uma amiga. “O cachorro passava os dias na rua e, quando meu pai ia dormir, eu o colocava para dentro de casa.” Esse malabarismo quase acabou no dia em que o pai associou os latidos noturnos ao cheiro de fezes e urina que sentia quando acordava.

A depressão em que Gracilene mergulhou ao ter que devolver o cachorro para a amiga terminou sensibilizando os pais, que semanas depois o devolveram na festa de seu aniversário. As fotos de Marcello Palhares Esteves não escondem histórias tão dramáticas, mas ele as contempla quando entra em crise. “Só fotografo quando a foto sai do cotidiano ou seja muito bonita”, afirma. Depois de um tempo, ele as observa à procura de um sentido para a vida. “Mesmo que chova, o sol não deixa de aparecer”, filosofa. Saber que terá dias iluminados ensina-o a não desistir em meio a um problema.

Ao contrário de Marcello, Luana Faria Jardim registra tudo com o celular. Mas a foto de que ela mais gosta lhe traz de volta um natal que passou na casa dos tios, em São Paulo. “Fotografei os telhados das casas, todos organizados e iluminados”, conta Luana. Esta foto lhe traz uma saudade tão gostosa como a que invade o coração de Felipe dos Santos Silva, que lembra os pequenos e grandes eventos do dia-a-dia nas freqüentes visitas feitas ao álbum de fotos do Orkut. Um dia que Felipe gosta de saber “como foi divertido” foi o aniversário de um amigo na pizzaria Parmê do Top Shopping. “Tirei muitas fotos naquele dia”, diz. “Quando olho para elas, eu lembro de tudo que aconteceu como se fosse hoje.”

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