Por Flávia Sá e Felipe Rodrigo
Fotos: Marcelle da Fonseca
Como era de se esperar, as crianças de Nova Iguaçu tiveram um tratamento especial do Iguacine. No dia da abertura, a sessão Primeira vez no cinema exibiu para elas o filme “Mutum”, de Sandra Kogut. Depois disso, a Mostra Bairro Escola levou para o teatro do Espaço Cultural Sylvio Monteiro os oito filmes que elas produziram na Escola Livre de Cinema até o fim de 2007. Houve distribuição de pipoca e refrigerante depois de todas as sessões, a que os pais também tiveram acesso franqueado. A mostra Bairro Escola, cujo filme mais aplaudido foi a animação “A fofoqueira”, foi seguida de oficinas de massinha. A massinha de modelar é o ponto de partida de um filme de animação.
Coordenador das oficinas da Escola Livre de Cinema, o professor Luciano Braga não poderia estar de fora dessas sessões. Apesar da dificuldade de administrar a exibição, a oficina de massinha e o encaminhamento das crianças para o ônibus que as levaria de volta para casa, Luciano explicou a filosofia do trabalho cujo momento de maior repercussão foram as animações conhecidas como Plim-Plim, também exibidas na mostra. “Esse trabalho é uma parceria entre a Escola Livre de Cinema e o programa Bairro Escola, que existe há dois anos.” O sucesso dessa parceria fez com que a experiência pioneira
Segundo Luciano Braga, a exibição dos filmes é apenas uma das pontas de um processo que começa com a desmistificação do próprio fazer cinematográfico. “O cinema sempre foi visto como uma arte elitista, restrito às classes endinheiradas”, diz ele. Os jovens da periferia estão cada vez mais íntimos das novas tecnologias, como os celulares, as máquinas digitais e o vasto mundo virtual dentro do qual o MSN e o Orkut se destacam. Mas elas não conseguem fazer uma associação entre o uso constante que fazem dessas tecnologias e o cinema. “Nosso primeiro passo é mostrar que é viável trazer isso para a estrutura de vida dela e do lugar em que vivem.”
O segundo passo é a descoberta do bairro, como ocorreu de modo mais explícito com a produção do documentário “Uma ida ao banco”. Luciano Braga, que acompanhou todo o processo de produção deste documentário de dois minutos, lembra que parte das crianças envolvidas sequer havia ido ao banco. “Elas desejavam conhecer todo o banco por dentro, do cofre à faxineira”, lembra o coordenador da Escola de Cinema Livre. Essa produção, no entanto, foi atropelada pela intransigência da gerência das duas agências bancárias existentes
O processo de descoberta do bairro teve mais êxito no filme “Por que tanta pastelaria de chinês?”, que não foi exibido na Mostra Bairro Escola, mas veiculado no DVD com os filmes produzidos pela Escola Livre de Cinema no fim do ano letivo de 2007. Neste documentário, as crianças foram bem recebidas pelos chineses que hoje já fazem parte da paisagem social da periferia dos grandes centros urbanos. Souberam então porque trocaram a China pelo Brasil, porque todos eles vendem pastel, se gostam da comida brasileira e, talvez a informação mais importante de todas, se os seus descendentes nascidos no Rio de Janeiro se sentiam cariocas.
“Casa do Sabão”, um misto de documentário e animação, mostra os produtos que podem ser comprados no famoso armarinho de Miguel Couto. Já “A fofoqueira” apresenta uma das personagens mais características dos subúrbios. Trata-se da fofoqueira, que com toda propriedade o cineasta Marcus Vinícius Faustini, idealizador da Escola Livre de Cinema e hoje secretário de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu, chama de “a câmera de segurança do bairro”. “A praça”, uma animação de um minuto exibida na Mostra Bairro Escola e veiculada no DVD da escola, apresenta especulações sobre possíveis melhorias na praça do bairro.
Também faz parte da filosofia da Escola Livre de Cinema devolver essas imagens para as crianças e para as pessoas que as cercam, como a família, a escola e o próprio bairro. Por isso, todos estavam tão à vontade na Mostra Bairro Escola, mesmo que não conhecessem o Espaço Cultural Sylvio Monteiro. Essas exibições também servem para antecipar um momento futuro da escola, que é uma possível profissionalização dos estudantes. “Nós queremos mostrar para os pais e os professores que o objetivo do nosso trabalho vai muito além de tirar as crianças das ruas”, disse Luciano Braga. “O cinema pode virar uma profissão para elas.”
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