Por Bruno Marinho
Imagens de celular
Entrevistamos o padre Agostinho Pretto, um homem que viveu e lutou contra a ditadura militar em Nova Iguaçu. Quem diria que por trás de um homem de 84 anos teríamos tantas histórias de um período tão triste do país? Foi uma tarde emocionante.
O religioso fez um esforço brutal para subir os três lances de escada que levam à Secretaria de Cultura e Turismo, na Avenida Nilo Peçanha. Ele chegou amparado pelo padre Geraldo Lima e apoiado em uma bengala. Mas abriu um largo sorriso tão logo entrou na sala.
- Olá, juventude – disse.
Ficamos encantados com a vitalidade que emanava dele, embora fosse igualmente visível o peso da idade. Assim que se acomodou, respirou fundo e abriu sua metralhadora giratória.
- Meu nome é Agostinho, sou gaúcho e cheguei ao Rio de Janeiro em 1963 – disse.
O padre não usou de meias-palavras para analisar os primórdios do movimento militar, que tomou o país de assalto na virada de março para abril de 1964.
- Em 1964, os militares deram o grito: "Silêncio, Brasil, aqui mandamos nós!" Em 1968, com a edição do AI-5, eles gritaram de novo: "Todos para dentro de suas casas, porque aqui mandamos nós!"
O padre, que participou da resistência principalmente na segunda fase da ditadura, terminou sendo preso. Conheceu então o silêncio da cela, os gritos dos torturadores e a morte dos torturados.
- Nada vai apagar essas desgraças – disse.
Apesar de todas as desgraças daquela época, Padre Agostinho não teve dificuldade para identificar o pior momento dos chamados anos de chumbo.
- É não poder ir e vir – disse o padre. – É você não poder se expressar.
Em nome da liberdade, a juventude daquela época chegou a dar a vida. Um dos casos mais emblemáticos dessa capacidade de sacrifício foi o estudante paraense Edson Luiz Lima Souto, assassinado no restaurante Calabouço no dia 28 de março de 1968.
- Ficamos uma noite inteira diante do corpo dele, levantando a mão e dizendo: "Edson, com a sua morte, ganharemos a liberdade."
A morte de Edson Luiz, como prometeram os militantes que velaram o seu corpo, foi o ponto de partida de um ano de muitas e ruidosas manifestações políticas pela volta da liberdade no Brasil. Mas o AI-5, em dezembro de 1968, abortou a festa democrática. Quem não morreu teve que silenciar ou fugir do país.
- Tiro o chapéu para os exilados porque ir para o exílio não é fugir, mas respirar para poder voltar com mais força.
É nesse momento que surge a figura de Dom Adriano Hypólito, que marcaria tanto a vida do Padre Agostinho como a do país.
- Ele abriu as portas a todo aquele que era perseguido ou estava marcado para morrer.
Vieram para Nova Iguaçu, refugiar-se sob o manto protetor da Diocese de Nova Iguaçu, médicos, professores, advogados, trabalhadores e religiosos, como o próprio Padre Agostinho.
- Fomos acolhidos nos centros comunitários, nas igrejas e nas casas do povão – conta o religioso.
É nesse momento da história de Nova Iguaçu que surgem as Comunidades Eclesiais de Base, Centro de Direitos Humanos da Baixada Fluminense e o Movimento das Associações de Bairro. Só para se ter uma idéia da capacidade de mobilização do movimento popular de Nova Iguaçu, 50% dos membros da Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro, a FAMERJ, eram da cidade.
– Eles são os verdadeiros heróis dessa época: o povão!
Com a redemocratização e principalmente a abertura do país para o mundo, o movimento popular nunca mais foi o mesmo.
- Com o choque da modernidade, nós nos acomodamos – lamenta.
O esvaziamento das lutas populares depois da redemocratização leva muitas pessoas a dizerem que prefere a época da ditadura. Padre Agostinho reage com indignação todas as vezes em que ouve esse tipo de estupidez.
- Rezem a Deus para que esse tempo não volte – protesta. – A ditadura foi um tempo terrível, que nossa gente não deve esquecer.
Apesar da tsunami de pessimismo em relação à capacidade de reação da população, Padre Agostinho não perde nem o otimismo nem a fé. Para ele, ainda estamos vivendo a ressaca de um longo tempo em que o povo brasileiro foi massacrado por uma elite voraz e corrupta.
- Todos esses danos que temos aí são decorrentes da ditadura – analisa.
Entre esses danos, o religioso enumera a corrupção e principalmente a descrença na política e nos políticos, hoje sinônimos de ladrões. Padre Agostinho não se esquece de contabilizar o que chama de ditadura do descaso.
- Imagine você ir hoje ao médico e ele te dizer volte no mês de agosto.
Mas as viagens que fez ao redor do mundo lhe deram um novo ânimo. Viu na África e na China que a juventude não apenas é igual em todos cantos do planeta, mas em todas as épocas.
- A juventude de hoje não é diferente da juventude de minha época - afirma. - Ela não está dando sopa, não.