quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Deus é limpeza

O gari Valdecir quer limpar as almas da Praça da Liberdade
por Breno Marques
Fotos: Mazé Mixo


Na Praça da Liberdade, o gari Valdecir Nunes, faça chuva ou faça sol, faça frio ou calor, faz sua pregação há exatos seis anos e meio. Nascido e criado em Nilópolis, Valdecir tem 36 anos e uma missão: “Limpar as almas, em nome de Jesus”.

"Quando fui chamado pra trabalhar, aceitei o convite logo de cara", diz Valdecir, que, além de varrer as ruas da cidade, “varre também as almas perdidas". Escolheu a Praca da Liberdade para fazer suas pregações porque ali acontece de tudo. "De noite as pessoas se drogam, bebem, e até se prostituem." A ressaca física e espiritual facilita a aceitação do amor de Jesus.

As pessoas que passam pela praça são atraídas pelas palavras do pregador. Uns param outros, não dão atenção, alguns se emocionam. "Quando não estou trabalhando como vendedor na praia, venho de Caxias aqui assistir o culto do Valdecir", diz João Carlos, 55 anos, pastor da Assembléia de Deus. "Sempre me emociono."

O culto é feito com uma pequena caixa de som, um microfone e um DVD. Embora não seja feita em uma igreja, a pregação tem suas regras. Ao meio-dia, tem inicio com músicas e orações. Os fieis também têm a oportunidade de cantar ou passar sua mensagem, seguida da pregação com um fundo musical. O ritual termina com a "Oração da Vitória", quando todos participam.

O culto atrai a curiosidade dos transeuntes, mesmo daqueles que não são muito chegados à palavra de Deus. "Acho que existem muitas pessoas que precisam ouvir uma palavra de incentivo pra continuar lutando", diz o representante comercial Armando Amazonas, 50 anos. Ele se emocionou com a palavras do pastor Valdecir, ouvidas no culto da última quarta-feira.

Gritaria
Alguns comerciantes reclamam do som muito alto, afugentando os fregueses e atrapalhando as vendas. "Às vezes, fica difícil demais vendermos aqui na porta", queixa-se Márcia Cunha, 37 anos, vendedora do Ponto Frio. "Ele grita tanto que as pessoas desistem da compra, porque ficam estressadas."

A enfermeira Emmanuelle de Souza, de 58 anos, também não tem a menor boa-vontade em relação ao pastor gari. O incômodo da enfermeira, que passa os dias medindo a pressão arterial em uma mesa de bar na Praça da Liberdade, tem razões religiosas e científicas. "Querer que todos adotem sua religião é fanatismo", protesta Emmanuelle, que se sente atacada com o discurso contra a macumbaria de Valdecir.

Ela também se irrita quando ouve o pastor dizendo aos fiéis que eles não precisam de remédios, pois "Deus curará". Há cerca de dois anos, uma de suas clientes teve um ataque cardíaco 24 horas depois de interromper a medicação prescrita pelos médicos, seguinte o conselho do pastor.

Língua dos anjos
Alguns acontecimentos estranhos ocorrem durante o culto. O pastor e os obreiros começam a falar idiomas estranhos, frases desconexas. É a famosa língua dos anjos, que falam espontaneamente movidos por um impulso celestial.
Quando se aproxima o final do culto, as pessoas formam um circulo em volta do altar improvisado, e juntas começam a orar em voz baixa. Apenas o gari pastor fala ao microfone, encerrando a pregação.

É necessário voltar á dura labuta do dia a dia. O encarregado é rigoroso quanto aos horários. "Tenho que arrumar isso, o mais rápido possível, porque se meu encarregado chega aqui e eu ainda estou pregando ele arranca meu coro", diz Valdecir olhando para todos os lados a todo o momento.

Enquanto Valdecir arruma os apetrechos da fé: Bíblia, musicas e o microfone, dois obreiros correm com a caixa de som e a guardam em uma ótica, onde o dono apoia o culto.

Tempo para Deus
Valdecir diz fazer seu oficio com dignidade e correção. "Estou aqui há seis anos e nunca reclamaram do meu serviço, a não ser aquelas pessoas que nunca estão satisfeitas com nada", diz o gari, dando risadas. Nada fará Valdecir largar seu horário, das sete da manha às três e vinte. Recusou todas as ofertas de trabalho cujo expediente roube suas noites. "Quem trabalha de noite não tem tempo de ir à casa de Deus."

Valdecir é uma figura popular, sendo reconhecido por onde passa. "As pessoas sempre me cumprimentam, como gari ou como pastor." Na igreja que freqüenta, existe uma hierarquia: o primeiro posto é o de Obreiro, o segundo de Porteiro, o terceiro de Diácono, o quarto de Plesbito. Pastor é o ápice da hierarquia. "Sou um Plesbitano ainda, mas um dia serei consagrado Pastor", afirma, convicto.

Valdecir conta que não sabia ler. “Um dia entrei no quarto com vontade de ler a Bíblia e comecei a chorar, soletrando um versículo, assim aprendi a ler.” Antes de libertá-lo da ignorância, a religião o salvou das drogas e do próprio crime.

Um comentário:

  1. Ele praticamente já faz parte da Praça da Liberdade, é raro eu passar por ali e não vê-lo. Não imaginava que ele já estivesse ali há seis anos e meio!
    Muito interessante saber um pouco mais sobre a história dele e sobre o que as pessoas ao redor acham :)

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